Temos, mas não sabem
«Anunciado fim do bipartidarismo espanhol vai pela primeira vez a votos» (Sofia Lorena, Público, 22.03.2015, p. 4).
Não é mais fácil escrever e proferir «bipartidismo»? É, mas terão o mesmo significado? Para alguns dicionários, sim; para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, não. Para este, bipartidarismo é o «sistema que se caracteriza pela relevância de dois partidos» (definição quase coincidente com o de bipartidismo no dicionário da Real Academia Espanhola: «sistema político con predominio de dos partidos que compiten por el poder o se turnan en él»); bipartidismo, por sua vez, é a «forma de governo caracterizada pela associação de dois partidos». Em suma, para este dicionário, não apenas são dois conceitos diversos, como não estão necessariamente relacionados.
E na imprensa? «Iglesias e Teresa Rodriguez,
a professora de 33 anos que é a candidata do Podemos para governar a Andaluzia, lembram estas histórias mas acrescentam o sorriso e o entusiasmo do presente. Eles querem ser um terramoto que termine [sic] o bipartidismo e que crie um formato novo numa política esgotada» («Ilusão e medo cruzam-se na Andaluzia», Francisco Louçã, Público, 19.03.2015, p. 50). É o conceito do dicionário da Real Academia Espanhola. Agora um exemplo curioso: «O fim do “bipartidismo” emergiu como um dos temas favoritos no debate entre politólogos, jornalistas e políticos. A Espanha tem um sistema bipartidário. Desaparecida a União de Centro Democrático (UCD), de Adolfo Suárez, hegemómica [sic] na primeira fase da Transição (1977-82), dois partidos afirmaram-se como dominantes: o PSOE e o PP. Há alternância mas não há coligações. Quando não há maioria absoluta, o partido vencedor faz acordos de apoio parlamentar. É este modelo que está ameaçado» («A rebelião contra o bipartidarismo», Jorge Almeida Fernandes, Público, 8.11.2013, p. 31). O que pretende significar (repare-se no título) Jorge Almeida Fernandes com as aspas? Que «bipartidismo» é coisa dos Espanhóis? Ou será antes como quem deseja (mas estaria enganado, claro) que em português também houvesse a mesma distinção? E na mesma página do artigo de Jorge Almeida Fernandes, está estoutro: «Um eleitorado que confia cada vez menos nos
dois grandes partidos espanhóis, o PSOE e o PP, pode levar a uma mudança assinalável no sistema político do país. A Esquerda Unida
(IU) e o União, Progresso e Democracia (UPyD) são os mais fortes candidatos a romper o bipartidarismo característico de Espanha, um dos poucos países da Europa Ocidental que nunca foi governado por uma coligação» («Próximo Governo pode ser a dois», João Ruela Ribeiro, Público, 8.11.2013, p. 31).
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