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Linguagista

Ortografia: «burca»

Algo mudou

 

   «Passei a ir à rua com um lenço na cabeça, parecia uma burca, para evitar as mudanças de temperatura» («“Um cabelo a tocar-me a cara podia provocar uma crise...”», Isabel Stilwell, Sábado, 9.04.2015, p. 72).

     Agora só é preciso que nas editoras se saiba que não é foleiro usar burca em vez de burka. Podemos contar com a desajuda dos nossos «especialistas» e do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, que remete do primeiro para o segundo.

 

[Texto 5745]

«Chefe de família»

Outrora ou agora?

 

      Certa instituição apoia «450 chefes de família», o que é muita gente. Mas eu pensava que o conceito de chefe da família já estava esquecido, até por determinação constitucional, do artigo 36.º, não é assim? É certo que, se fosse agora, passava a «líder de família».

 

[Texto 5744]

Léxico: «preventório»

Sinónimos, sim, mas...

 

      «A reportagem está construída para fazer chorar qualquer um, a música, o caminho até chegar ao clímax de emoção. Mas Fátima e Maria da Conceição não choram como meras telespectadoras. Ao falar da sua própria vida, aquela mulher brasileira na televisão está a descrever as delas. “São coisas tão simples, abraçar e beijar uma mãe”, diz Fátima. Fátima foi criada no chamado preventório, um sítio para onde eram levados os filhos dos doentes para serem educados num mundo à parte» («As histórias iguais de filhos separados dos pais pela lepra nos dois lados do Atlântico», Catarina Gomes, Público, 9.04.2015, p. 12).

      De preventório, diz o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: «estabelecimento hospitalar destinado a receber e a tratar preventivamente as pessoas com disposição para contrair certas doenças». Podem ser sinónimos, mas a mim o que me ocorre logo é que essas pessoas têm, não tendência ou inclinação, mas intenção ou vontade. Ou seja? Ou seja: optaria por «predisposição».

 

[Texto 5743]

«Majorados», não «acrescentados»

Com a verdade me enganas

 

    «Depois de terem assinado no ano passado um acordo de auto-regulação sobre estes concursos, que entrou em vigor a 1 de Julho, RTP, SIC e TVI responderam à ERC praticamente com os mesmos argumentos. Dizem que os números de telefone que usam não são de valor acrescentado, mas antes de tarifa única, denominados “majorados”; alegam que têm autorização do MAI; que os prémios são de valor económico e não pecuniários; e recusam a imagem de “coacção” ou “extorsão” de que alguns espectadores se queixam pela forma sistemática, repetitiva e insistente com que os concursos são promovidos em antena, considerando que têm uma atitude “responsável” perante o público e que explicam as regras» («ERC diz que concursos telefónicos das TV
 são “acções enganosas”», Maria Lopes, Público, 9.04.2015, p. 6).

      O pobre leitor procura um dicionário, se souber o que é isso, e lê: «Majorar, v. tr. Aumentar o valor de; elevar.» Pronto, mais uma infausta vez enganado e vilipendiado. Mas não perca tempo, querido telespectador (e grande besta), vá lá ligar para o 760...

 

[Texto 5742]

Ortografia: «biorrecurso»

Não pensou nisso

 

     «A primeira plataforma [Bluebio Alliance] dedicada aos bio-recursos marinhos é apresentada, hoje, em Cascais e já tem uma lista de 80 membros, 26 dos quais empresas que operam neste mercado» («Plataforma para desenvolver negócio dos bio-recursos marinhos já tem 80 membros», Ana Rute Silva, Público, 9.04.2015, p. 21).

   A regra não é, com estes pseudoprefixos terminados em vogal e segundo elemento começado por r ou s, duplicar estas consoantes? Assim, biorrecursos, como biorreactor, biorritmo, etc.

 

[Texto 5741]

Ortografia: «tiróideo»

Andam lá perto

 

      «É produzida», certa hormona, «nas glândulas paratiroideias.» Aqui, tratei da variante menos recomendável de tiróide. Também neste caso se trata de um problema ortográfico, que já tenho encontrado. Não é paratiroideias, como não é tiroideias, mas anda lá perto: tiróideas. Mas tiróideo é adjectivo que corre por aí noutras formas erradas, como «tireoideano», ainda pior, pois erra no radical e na desinência. Será contaminação de «ideias»?

 

[Texto 5740]

«Parecido a/parecido com»

Uma turma de repetentes?

 

      Só ontem me disseram: no programa Pontapés na Gramática, na Antena 3, Sandra Duarte Tavares, a 5 de Novembro passado, afirmou: «A explicação é breve, concisa, objectiva, como nós gostamos aqui no nosso Pontapés na Gramática, e diz assim: o adjectivo parecido rege, ou seja, é acompanhado da preposição com e não da preposição a. O adjectivo que gosta da preposição a é o adjectivo semelhante. “X é semelhante a x”, “x é parecido com y”. E por causa do semelhante, por contaminação do semelhante há tendência para dizermos “parecido a”. Não se esqueçam, queridos ouvintes, de que o adjectivo parecido pede, é acompanhado da preposição com.» Joana Dias ainda voltou a perguntar-lhe se não se podia mesmo usar a construção parecido a. «De todo. Não, não, não. De todo. É um erro sintáctico.»

   Pena é que esta lição não tenha efeitos retroactivos. Veja aqui os alunos que aproveitariam dela:

 

  • «Por esta causa Henrique Harfio, Varão iluminado, e um dos Doutores mysticos, e espirituaes da primeira classe, tratando dos actos anagogicos do amor Divino, ou jaculatorias abrazadas, adverte que pode este exercicio ser puramente natural, e por elle adquirir-se hum amor muy parecido ao Divino, porém que realmente o não seja; antes que pôde com elle a Alma andar em estado de condenação» (Luz e Calor, P.e Manuel Bernardes).
  • «Com um S. Ignacio, com uma imagem da mais heroica virtude: com uma imagem da mais consummada perfeição: com uma imagem da mais prodigiosa santidade: em fim, com um santo, não similhante e parecido a um só santo, senão similhante e parecido a todos: Et vos similes hominibus» (Sermão de Santo Inácio, P.António Vieira).
  • «O pleito com o Núncio é muito parecido ao nosso, e uns e outros parece navegamos para Inglaterra» (Cartas, P.e António Vieira).
  • «Não há acção mais parecida às de Cristo» (Cartas, P.e António Vieira).
  • «Rato, nome de hum peixe parecido ao rato» (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Francisco Solano Constâncio).
  • «Sahe de huma planta purpura rubente,/Sangue dimana, parecido ao nosso,/Para os que usão talhar os Cáspios Mares» (Obras Poéticas, Bocage).
  • «A outra mão segurava o carapuço, agudo na ponta, e largo na bocca, parecido ao funil, quasi pyramidal, de que a imaginação vesga de um poetastro toucou a serombatica fronte do sabio Abacadabro» (A Mocidade de D. João V, Rebelo da Silva).
  • «Madrépora, s f. t. d’Hist. Nat. Corpo marinho parecido a ramos de arbustos, semelhantes á pedra, em cujos vãos habitam polipos» (Dicionário da Língua Portuguesa, António de Morais Silva).
  • «Symbiota, m. espécie de ácaro, parecido ao psoropta» (Novo Dicionário da Língua Portuguesa, P.e Cândido de Figueiredo).

 

[Texto 5739]