Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

Como se escreve nos jornais

Algo me diz que não

 

    «O ator [L. DiCaprio], um acérrimo arrivista contra as alterações climáticas e mensageiro da paz da ONU, viajou seis vezes de jato privado» («DiCaprio: de guerreiro ambiental a “hipócrita”», Márcia Gurgel, Diário de Notícias, 25.04.2015, p. 55).

   «Acérrimo arrivista»... Será que era mesmo isto que queriam escrever? Sabe Deus. Pelo sim, pelo não, é melhor sugerir-lhes que consultem um dicionário.

 

[Texto 5797] 

Léxico: «taparuere»

Também são bons

 

      «Este Pereira — segreda-me o Rafael —, quando vier a liberdade, tem um grande futuro à frente dele a vender taparueres» (Santo Desejo, Pedro Alçada Baptista. Lisboa: Editorial Presença, 2004, p. 74).

      Nas obras de António Lobo Antunes também há — tinha de haver — taparueres. Não se vê muito, mas nunca a vi como aportuguesamento burlesco.

 

[Texto 5796]

«Sem dizer água vai»

Sem avisar

 

      «Chega a umas termas, senta-se, volta-se para o vizinho da direita e, sem dizer água-vai, conta-lhe a vida» (Diário, Vols. I a IV, Miguel Torga. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2009, p. 63).

      Não sei para que se há-de escrever com hífen. E Miguel Torga (se não foi perpetrado pelo revisor) não foi o único a fazê-lo. Entre outros, Cristóvão de Aguiar, nas suas Charlas sobre a Língua Portuguesa, também usa o hífen. Em nenhum caso, nem para referir o medieval água vai nem (muito menos, diria) na expressão «sem dizer água vai» se tem de empregar o tracinho. A propósito, a esta última Botelho de Amaral escreveu-a assim: «Sem dizer: água vai!»

 

[Texto 5795]

«Atestado em como»

Não me soa

 

      Tinha de apresentar um atestado, escreve o autor, «em como auferia um ordenado suficiente para manter a esposa». Só eu é que acho a frase um pouco torta? Façam o favor de reparar em como não estou a pôr em causa, de forma genérica — como acabei de demonstrar com esta frase —, a construção «em como», apenas o seu uso naquele contexto, «atestado em como». É da preposição?

 

[Texto 5794]

«Mestra-escola»

Não só homens

 

      Estou a ver, creio que pela segunda vez na vida, a palavra mestra-escola. Antes, já o lera aqui: «Quem porém a olharia algo de soslaio seria Judith, menos por ver na mestra-escola a concorrente ao afecto do pai reencontrado do que por suspeitar nela a adventícia movida pela ganância da promoção social» (Tiago Veiga — Uma Biografia, Mário Cláudio. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2011, p. 446).

 

[Texto 5793]

«Os Lusíadas» na íntegra

Ora tomem

 

      Ora cá está um caso curioso: «Camões [...] teve de negociar com o Santo Ofício a autorização de publicar os seus Lusíadas». Imagine-se que o autor era um desses picuinhas que querem manter os artigos, e, em especial, evitam contracções, lançando mão do apóstrofo, recurso que se não devia usar nestes casos. Decerto que não ia escrever — o Diabo seja cego, surdo, mudo, paralítico e tudo! — «os seus Os Lusíadas». Claro que podia dar a volta à frase e escrever, por exemplo, «publicar o seu poema Os Lusíadas». Tal como está, porém, não iria enfiar ali o artigo só para seguir a rajatabla, como dizem os Espanhóis, a putativa regra. Pode ser que o caso os deixe a reflectir.

 

[Texto 5792]

Nome das doenças: a excepção

Se fosse só isso...

 

      «José Abranches Mendes, juiz e eterno candidato à liderança do Sporting, ocupava uma mesa; noutra mesa, Fernando Correia, o jornalista desportivo que escreveu em livro o alzheimer de sua mulher, com o amigo e empresário de espectáculos Chico Dias; noutra, Fernando Gomes, presidente da Federação Portuguesa de Futebol; e, finalmente, numa outra ainda, o empresário do Pingo Doce, Soares dos Santos» («Convergências gastronómicas», Sol, 17.04.2015, p. 15).

      É assim a nossa sina: quando o nome das doenças (que é a regra) é em minúscula, grafam-no com maiúscula; quando é com maiúscula (que é a excepção), grafam-no com minúscula. Sempre às avessas. Pois, pode ser gralha. E as outras coisas? Jornalista «que escreveu em livro o alzheimer de sua mulher»?! E lá está a infalível «liderança», a que nem nas editoras já conseguem encontrar alternativa.

 

[Texto 5791]

Um anglicismo desnecessário

Está bem, não são ovas

 

  «O que se come do ouriço-do-mar são as gónadas (o sistema reprodutor muitas vezes, incorrectamente, chamado “ovas”) e o seu valor é maior no período pré-reprodutor, entre Janeiro e Abril, quando se encontram mais desenvolvidas. Isto significa, naturalmente, que a apanha está a comprometer os futuros stocks, impedindo a reprodução natural dos ouriços» («Ericeira prepara-se para ser a grande maternidade dos ouriços em Portugal», Alexandra Prado Coelho, Público, 26.04.2015, p. 19).

      Ficamos a saber que, afinal, são as gónadas e não ovas. Para darmos alguma coisa em troca, diremos que stock é um anglicismo desnecessário. Entre outros, a jornalista podia usar o termo «reserva».

 

[Texto 5790]