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Linguagista

Era uma vez o vocativo

Mais sombras

 

      «No Twitter oficial a autora britânica começou o dia a desejar “bons gemidos a todos” (um trocadilho com bom dia em inglês) e “Feliz Aniversário Christian”. O editor português já tem “uma task-force” de três tradutores a trabalhar na obra e embora não tenha ainda data definida para a publicação está a apontar para 10 de Setembro, que será uma data a seguir por vários editores internacionais, pois é o dia de aniversário de Anastasia» («Novo livro de E. L. James deverá sair em Portugal em Setembro», António Saraiva Lima, Público, 19.06.2015, p. 35).

   O leitor do Público talvez não perceba logo aquele magnífico trocadilho morning/moaning, mas não faz muito mal. E lá está, de novo, o vocativo amputado da vírgula, isto pela mão de um jornalista, que não trabalha com tijolos, mas com palavras, com a língua. Talvez o leitor nem dê conta, entretido com as datas altamente simbólicas da publicação do livro.

 

[Texto 5988]

O ditongo «oi» em lugar de «ou»

E outros antes dele

 

      Uma simples achega a esta consulta do Ciberdúvidas. De facto, foram vários os autores — J. J. Nunes, Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Antenor Nascentes, I. S. Révah, Francisco Júlio Martins Sequeira, Manuel de Paiva Boléo, Celso Lafer, entre outros, alguns bem antes de Paul Teyssier — que chamaram a atenção para essa característica da fala dos judeus portugueses. «O ditongo ou, quer latino, quer românico, alterna na língua moderna com oi, dizendo-se hoje indiferentemente ouro, touro, cousa, couro, tesoura, agouro, etc. ou oiro, toiro, coisa, coiro, tesoira, agoiro, etc.; não sucedia, porém, assim na antiga, que mantinha a distinção imposta pela diversa proveniência dos dois ditongos, dizendo ou, se representava o latino au, mas oi, se tal não era a sua origem, isto é, quando românico; parece que a pronúncia oi era no século XVI peculiar aos judeus, porquanto Gil Vicente, que distingue ou de oi, isso não obstante, põe oi na boca dos que apresenta nalgumas das suas farças [sic]. Na passagem para ou do ditongo au, passagem que parece ter-se realizado depois do século X, deu-se o mesmo fenómeno que entre ai e ei, isto é, o a aproximou-se do u» (Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa, J. J. Nunes. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1919, pp. 73-74).

      I. S. Révah, que observou que oi por ou também estava na boca dos judeus das peças de Anrique da Mota, acreditava igualmente que era um traço do fonetismo de cunho popular, ou seja, seria uma manifestação de uma tendência mais geral que posteriormente se encontra na própria língua comum.

    Para quem quiser aprofundar a questão, será de algum proveito a leitura desta dissertação.

 

[Texto 5987]