Plural de nomes compostos
E com «sem-abrigo» é diferente?
Foi já em 2008, quase noutra vida: uma professora quis saber se o plural de «sem-abrigo» é «sem-abrigos» — «como já ouvi na televisão». Só na televisão? Eu acho que da boca da maioria dos falantes sai muitas vezes «sem-abrigos», e por algum motivo será. O consultor escreveu que este composto sintagmático é «formado por uma expressão de valor adverbial (“estar sem abrigo”), o que parece explicar que seja invariável como os advérbios», e recordou outros compostos de origem adverbial, como sem-terra, sem-tecto e sem-vergonha. Talvez ninguém desse outra explicação, mesmo que de natureza tão dubitativa. E, contudo, não foram poucas as vezes que já li «sem-vergonhas». «Sem-tecto» não usamos, e por isso não falaremos dele, e o mesmo se poderia dizer sobre «sem-terra», se não me lembrasse de que Paulo Flávio Ledur e Paulo Sampaio, na obra Os Pecados da Língua, afirmam que se deve preferir, «por coerência e por questão técnica, a forma os sem-terras». «Quanto a sem-lares, o plural parece-nos bem formado. Sem-lar é um neologismo formado à semelhança de sem-luz, sem-cerimónia, etc. Composto de preposição e substantivo, usa-se com o valor de substantivo, exactamente como sem-luz, equivalente perfeito de cego. Sujeita-se, assim, à regra de formação do plural dos nomes compostos de preposição e substantivo, que é a dos nomes constituídos por primeiro elemento invariável e segundo nominal: só este se flexiona: semi-sábio/semi-sábios, ex-presidente/ex-presidentes, vice-governador/vice-governadores, sem-cerimónia/sem-cerimónias, sem-luz/sem-luzes, sem-número/sem-números, sem-razão/sem-razões, etc.» («Plural de nomes compostos», J. de M. B., in A Bem da Língua Portuguesa, ano IX, 1958, p. 81).
[Texto 6004]