Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

Contracções: duma, dalgum, etc.

Dumas, só Alexandre

 

      Não aprecio, nunca apreciei, contracções como «duma», «dalgum», «nalgum», etc. Parecem-me deselegantes e intromissão escusada da oralidade na escrita. E, contudo, em alguns, poucos, escritores nossos contemporâneos encontramo-las em abundância, até como marca de estilo. Em Mário de Carvalho, por exemplo.

      Agora imaginem que se tinha de fazer a actualização ortográfica de uma obra do século XIX. Uma em que se lesse, por exemplo, isto: «Defronte era o bilhar, forrado d’um couro moderno, etc.» Qual seria a mais fiel ao original: a que mantivesse a contracção (ainda que indicada pelo apóstrofo) ou a que desfizesse a contracção? «Defronte era o bilhar, forrado dum couro moderno, etc.» «Defronte era o bilhar, forrado de um couro moderno, etc.»

 

[Texto 6030]

Mil milhões/bilião: notação europeia

Estamos em Portugal

 

      «Meio milhão de portugueses (classe média alta e classe alta) constitui o rosto do nosso subdesenvolvimento, proporcionalmente semelhante ao Brasil (10 milhões de muito ricos para uma população de 180 milhões) e Índia (menos de 100 milhões para um bilião e 200 milhões de habitantes)» (Portugal: Um País Parado no Meio do Caminho. 2000-2015, Miguel Real. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2015, p. 92).

      Seria uma diferença abissal. Vejamos. Um milhão é isto: 1 000 000 (seis zeros). Um bilião é isto: 1 000 000 000 000 (doze zeros). Era isto que Miguel Real pretendia dizer? Não, evidentemente! A Índia tem mil e duzentos milhões de habitantes. Há cinco minutos, 1 283 119 215... Quem se entende assim com estas diferentes notações? Não estamos em Portugal?

 

[Texto 6029]

Plural de «azul-ferrete»

Mais dúvidas do que certezas

 

      «Éramos fortes, brincalhões, orgulhosos de trazermos as nossas boinas azuis ferrete e prontos para cumprir as nossas missões» (Até ao Fim — a Última Operação, António Vasconcelos Raposo. Lisboa: Sextante Editora, 2011, p. 16). «Ali estava a prova de que quem ganha o direito a usar uma boina azul ferrete sabe honrar o seu uso» (idem, ibidem, p. 38).

      Também os revisores, por vezes, passam pelos textos como cão por vinha vindimada. Primeiro: leva hífen, «azul-ferrete». Segundo: como adjectivo, como ali é usado, é invariável, porque o segundo elemento da composição é um substantivo. Como substantivo, dizem as gramáticas, só o primeiro elemento se flexiona, «azuis-ferrete». O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, porém, quis inovar e regista dois plurais do substantivo: «azuis-ferrete» e «azuis-ferretes». O Dicionário Houaiss faz exactamente o mesmo. Será que se enganaram mesmo e inovaram? No entanto, na 1.ª edição do Primo Basílio, de Eça de Queiroz, estão umas «linhas azues ferretes»...

 

[Texto 6028]

Regência do verbo «impedir»

Esta é nova

 

      «Tratava-se de mato cerrado e, graças à grande perícia daqueles cinco pilotos, fazíamos um voo raso, o que impedia de sermos localizados» (Até ao Fim — a Última Operação, António Vasconcelos Raposo. Lisboa: Sextante Editora, 2011, p. 15).

      Se houver aí alguém que não estranhe esta regência, levante o dedo (ou a G3). Eu seria, naturalmente, levado a escrever e a dizer «o que impedia que fôssemos localizados».

 

[Texto 6027]

Sobre «tão-só/tão-somente»

Um acordo que desune

 

      «Lembro-me bem das sua [sic] palavras aos oficiais do destacamento, salientando que queria regressar com o mesmo número de homens que trouxera. Não queria louvores nem medalhas, mas tão só garantir a honra da intervenção do seu destacamento de Fuzileiros Especiais e o regresso a casa de todos com vida» (Até ao Fim — a Última Operação, António Vasconcelos Raposo. Lisboa: Sextante Editora, 2011, p. 35).

       Não deve haver muitos livros sem gralhas. Neste há algumas e, pior, erros. O advérbio escreve-se «tão-só» (e «tão-somente»), e grafá-lo sem hífen é erro muito comum. E como se escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990? Bem, depende de quem responde. Para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, é «tão-só» e «tão-somente». No início de 2009, D’Silvas Filho «pensava» que ia continuar a ser grafado como até então, e escrevia no Ciberdúvidas: «A sua Academia Brasileira de Letras publicará um vocabulário a{#c|}tualizado para o novo AO em {#F|f}evereiro. Aguarde certezas por esta via id{#ó|ô}nea.» Parecem os hieróglifos da Pedra de Roseta... Qual oráculo, a academia da consulente lá garantiu que era «tão só» e «tão somente», porque em formações em que nenhum dos elementos é substantivo, adjectivo, verbo ou numeral («tão» e «só» são ambos advérbios) ou naquelas entre cujos elementos aparece um vocábulo de ligação se deixa de usar o hífen (neste caso, com excepções). E pronto, com o Acordo Ortográfico de 1990, estas palavras passaram a escrever-se de uma forma no Brasil e em Portugal de outra.

 

[Texto 6026]