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Linguagista

«Governante/governanta»

«A velha governante, a Gertrudes»

 

 

      Nem de propósito: um alfarrabista acaba de me enviar o catálogo mensal e uma das obras é a autobiografia de Golda Meir, traduzida do inglês por Álvaro Themudo* e publicada pela Dom Quixote em 1975. Quando Golda Meir era primeira-ministra, um jornal português escreveu que era a «governanta de Israel». A ignorância não é de hoje. Ora, sempre que Eça fala de uma governante (há uma inglesa, uma alemã, uma portuguesa...), Helena Cidade Moura altera para «governanta». Isto não é fixar o texto: é fixar o erro, porque vieram outros e acharam natural copiar a lição. A mulher contratada para governar uma casa tanto tem o nome de governanta como de governante. Se integrar o governo de um país, dir-se-á apenas governante. De onde pode vir o mandato para alterar desta maneira o que um escritor, já morto, escreveu há décadas?

 

[Texto 6040]

 

 

      * Cá está outro particípio em -udo — mas, como sucede com centenas de outros nomes, arbitrariamente alterado, neste caso com acrescento de um h, com o propósito de o nobilitar.

«Calmar/acalmar»

Arbitrariedades

 

      Se Fernão Lopes escreve, na Crónica de D. João I, «fodudo no cuu»* (não lhe conheciam este pendor de pornógrafo, hein?), não me importo muito que numa edição actual apareça «fodido no cu». Mas se Eça escreveu «foi necessario calmal-a, voltar a Bemfica», já não gosto de ler numa edição moderna «foi necessário acalmá-la, voltar a Benfica». Nesta, verdade seja dita, Helena Cidade Moura não caiu. Caiu noutras.

 

[Texto 6039]

 

 

      * Tem o interesse de se voltar a pensar na abundância de particípios em -udoconuçudo, sofrudo, vençudo, recebudo... — no português arcaico, hoje residuais na língua.

 

Para mim, é Papandreu

Queremos isso em português

 

      «“Irlanda e Portugal conseguiram, e nós falhámos.” Dita pelo antigo PM Papandreou, num comício pró nai (sim) na semana antes do referendo, a frase leva-me a perguntar para o lado, a uma jovem que foi candidata a deputada pelo novo partido de Papandreou nas eleições de 2015, o que sabe do meu país» («Gregos para perceber», Fernanda Câncio, Diário de Notícias, 10.07.2015, p. 7).

      E não dizemos «pró-governo»? Mas misturar português e grego pode não ser boa ideia. E não seria melhor, mais conforme à nossa língua, escrever-se Papandreu? Entre transliteração ortográfica e transcrição fonética, não hesitaria um segundo.

 

[Texto 6038]

Devolver «Os Maias» ao leitor

E esta, hein?

 

      Nos Maias, nunca Eça usa a interjeição hem, mas sempre hein. Contudo, na edição de Helena Cidade Moura para a editora Livros do Brasil — «De acordo com a primeira edição (1888)» —, porventura uma das mais conhecidas, é sempre «hem» que aparece. Há vários dias já que estou a cotejar estas duas edições, e não gosto do que vejo. Ah, não, há alterações muito mais substanciais, mas igualmente indefensáveis e desnecessárias. Mais um exemplo: onde Eça pôs «Afonso da Maia descorçoado», HCM quis um «Afonso da Maia descoroçoado». E outra: no passo em que Eça fala dos «alamares trespassados à Brandeburgo», HCM quis uns «alamares traspassados à Brandeburgo». Outra alteração que nenhum leitor deve agradecer: apesar de todos sabermos que «dignitário» é que está correcto, não me parece bem que HCM altere de «dignatário» para «dignitário». Que eu saiba, Eça escreveu «os acentos, deixo-os à composição, que os ponha onde quiser», não disse o mesmo de formas verbais, preposições, ortografia... E, aviso, não será nesta edição dos Livros do Brasil que o leitor poderá rastrear todos os termos estrangeiros usados por Eça. E isso tem importância?, perguntará o leitor. Sim, tem: o que anda por aí à venda não é exactamente o que Eça escreveu.

 

[Texto 6037]