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Linguagista

«Enquanto a»

De Espanha?

 

      Este é um caso muito curioso. «Afonso riu muito da frase, e respondeu que aquelas razões eram excelentes – mas ele desejava habitar sob tectos tradicionalmente seus; se eram necessárias obras, que se fizessem e largamente; e enquanto a lendas e agoiros, bastaria abrir de par em par as janelas e deixar entrar o sol.» 

      Montexto afirma que se lê em Camilo, e já em autores anteriores, o que eu já não lembrava. Para mim, a conjunção não se adequa ao contexto. Se é parafraseável, argumentei, por «no que respeita a/no que tange a», não devia ser então «e [em] quanto a lendas e agoiros, etc.»? A nossa locução prepositiva «enquanto a» — que não encontro nos dicionários — quase de certeza veio do castelhano en cuanto a. Com textos datados do século XIX e anteriores, é preciso cuidado redobrado, pois algumas locuções (de pressa, de vagar, etc.), em especial adverbiais, tornaram-se entretanto uma só palavra (devagar, depressa, etc.).

    Está, então, o mistério resolvido. Devia escrever-se «em quanto a». Pois não se escreve «quanto a»? Os acordos ortográficos não resolvem estas questões, muito mais ponderosas do que os cc e os pp.

 

[Texto 6066]

Sobre o conceito de gralha

Uma espécie de gralha

 

      «Em todo o caso quando Lisboa descobriu aquella legenda de sangue e negros, o enthusiasmo pela Monforte calmon.» É o que se lê na edição de 1888 dos Maias. É um tipo de gralha que abunda no texto, as letras invertidas: neste caso, em vez de u, a letra n. Será mesmo gralha o nome desta anomalia? Há dicionários que dão de gralha uma definição abrangente: erro tipográfico. E, noutra acepção, para abranger os textos não tipográficos, erro num texto devido a distracção. Na realidade, à letra invertida dá-se uma designação específica, que agora não me ocorre (tenho de voltar a ler o Grande Dicionário da Língua Portuguesa coordenado por José Pedro Machado...). Leio numa obra sobre Os Lusíadas: «muitas gralhas, letras invertidas e inúmeras deficiências gráficas da edição pirata» («Nova hipótese de solução para o problema da edição “princeps” de “Os Lusíadas” — não houve duas mas quatro edições datadas de 1572», in Separata da Revista da Universidade de Coimbra, vol. XXXIII, B. Xavier Coutinho. Coimbra: 1985, p. 229). Se o autor considerasse as letras invertidas um tipo de gralha, não escrevia desta maneira.

 

[Texto 6065]

Topónimos: com ou sem artigo

Arbitrário

 

      Outra opção inadequada na fixação do texto dos Maias. Isto escreveu Eça: «Dois dias depois Vilaça entrou em Benfica, com as lágrimas nos olhos, contando que o menino casara nessa madrugada – e segundo lhe dissera o Sérgio, procurador do Monforte, ia partir com a noiva para a Itália.» Na edição fixada por Helena Cidade Moura, o artigo antes do topónimo desaparece, ficou «para Itália». A mesma pergunta que já fiz em relação a outras alterações: que pode legitimar tal alteração no texto? Seria incorrecta ainda que a prática (que não a regra, que não está estabelecida) tivesse mudado, mas a verdade é que se continua a dizer o Brasil, o Chile, a China, o Egipto, os Estados Unidos da América, o Iraque, a Itália, a Noruega, a Suécia, etc.

 

[Texto 6064]