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Linguagista

Ainda «Os Maias»

Isto anda mal visto

 

      Rufino, no Teatro da Trindade, discursa. Confessa, a determinado passo, que, apesar do ambiente da sua aldeia, fora dilacerado pelo espinho da descrença. Que ambiente? Pois «a violeta em cada prado, o rouxinol em cada balseira»... A edição dos Livros do Brasil não diz outra coisa. Ora, para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, balseira é somente a «dorna grande para pisar uvas». Seria então balseiro a palavra correcta? É, numa das acepções, sinónimo de «balseira»; noutra acepção, sinónimo de «charco». No dicionário de Domingos Vieira, «balseira» e «balseiro» são sinónimos e designam o matagal ou silvado. Eça, em 1888, escreveu bem. No entanto, modernamente, a palavra aproximada que designa matagal é balça, e tem de ser esta a grafia, pois o étimo é o latino baltĕu. Sinónimo de «balça» só pode ser balceira. E temos outro vocábulo com esta variação s/ç, acaso? Talvez... Sim: balsana/balçana. Vem do italiano balzana e designa, entre nós, a fita que debruava a borda dos hábitos fradescos. Salvo melhor opinião, contudo, uma delas não devia estar consagrada nos dicionários. Por coincidência, aquele balzana vem de balza e este vem de... baltĕu.

 

[Texto 6082]

Léxico: «gozo»

Coisas de cão

 

      «Sou um bêbedo, estou sempre bêbedo!», declarou Damasozinho, nos Maias (Celia — ou Célia? —, tem de ir mais para trás no blogue), «n’um medo vil de cão gôso». Na edição dos Livros do Brasil, lê-se quase o mesmo: «num medo vil de cão goso». E ficamos na mesma. É gozo que se escreve agora, que designa o cão sem raça definida. É o Canis familiaris. Já o étimo será mera especulação. Por sorte, já conhecia a palavra de Tomaz de Figueiredo, na Noite das Oliveiras: «Que bojardas, e vitoriosas, que Evangelho da Estupidez! E, ao mesmo passo, que rastejar de cão gozo e famélico, que acenicar de rabo de cão que mendiga côdea!» (Lisboa: Editorial Verbo, 1965, p. 244).

 

[Texto 6081]

«Reverso trike/triciclo invertido»

Automóvel desportivo, triciclo...

 

    «As três rodas, explicou o responsável, “permitem uma maior eficiência energética”, o que, salientou, é “fundamental num carro eléctrico”. Este reverse trike, ou triciclo invertido (porque as duas rodas estão à frente), tem dois lugares, portas de abertura vertical, autonomia de 400 quilómetros com uma carga de bateria, consumo de 9/10 quilowatts por hora aos 100 quilómetros por hora e pode ser carregado “durante a noite numa ficha normal monofásica como as lá de casa”» («Primeiro automóvel desportivo made in Portugal terá linha de montagem em Gaia», Público, 23.07.2015, p. 48).

     Como nos dão a tradução, estão perdoados. Reverse trike, ou triciclo invertido. O veículo chama-se Veeco. Para quem deseja um Tesla S P85D, é quase um brinquedo.

 

[Texto 6080]