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Linguagista

Uma gralha (?) especial

Até que a paciência nos abandone

 

    «Mulheres, africanas, guineenses. Trabalham de solo a solo para sustentar a família e pagar a escola dos filhos, que sonham um dia ver na universidade. Não se cansam de fazer perguntas, de querer saber mais. Algumas desejam ser mais livres, menos submissas, menos dependentes dos maridos, outras parecem não ver nisso um problema. Na próxima sexta-feira, 31 de Julho, celebra-se o Dia Internacional da Mulher Africana» («Ser mulher é difícil mas também é bom», Sofia da Palma Rodrigues, «2»/Público, 26.07.2015, p. 24).

     Com certeza que encontramos outras formas fantasiosas de o dizer: «de sal a sal», «de sala a sala», «de sola a sola», «de sul a sul», etc. Parece-me que se vai notando muito, cada vez mais, a falta de revisores.

 

[Texto 6090] 

Uma casa de banho normal

Não insistam

 

      «“A fibra de vidro que hoje é usada absorve a água, que em vez de escorrer vai danificando o isolamento térmico à volta do avião e acaba por desgastar as paredes, os tectos, as casas-de-banho, o material electrónico”, exemplifica o gestor. Já o aerogel “obriga a que a água escorra para os drenos, evitando os riscos de curtos circuitos, por exemplo”, garante Bruno Ramos de Carvalho» («Mais económico e eficiente, o aerogel começou na TAP e agora quer a Airbus», Raquel Almeida Correia, Público, 26.07.2015, p. 26).

      Porque insiste o Público em grafar casa de banho com hífenes? Há-de ser para poder lamentar que, com o Acordo Ortográfico de 1990, os perca, como o outro diz sobre «cor de laranja». A ortografia apresenta, decerto, oscilações no uso do hífen em compostos cujos elementos são ligados pela preposição de, mas não compliquem ainda mais.

 

[Texto 6089]

Mais um dicionário

O verdadeiro caralho

 

     «Up the pole significa algo parecido com ficar pendurado que, por cá, é o mesmo que ficar portuensemente, “encaralhado”, palavra cujo sentido negativo advém da má vontade com que os marinheiros, gentes dos portos, encaravam a subida ao cesto da gávea dos navios, o verdadeiro e original caralho, transmutado em órgão másculo de múltiplos nomes. O lado impudico do linguajar portuense é tão forte que, mesmo uma coisa simples como não fazer nada, pode dizer-se como andar “a coçar o cu pelas esquinas” – sitting on one’s hands – ou “a laurear a pevide”, to get some ass, que é como quem diz, a dar um passeio por aí» («PORTOguês. O lado B da língua para inglês ler», Abel Coentrão, Público, 26.07.2015, p. 25).

     São entradas do novíssimo Dicionário de PORTOguês-Inglês, de João Carlos Brito, Ana Cruz e Cristina Vieira Caldas (Lugar da Palavra, 2015). Não me parece é que se trate só de localismos, ou sequer de termos com origem no Porto. Mas que esse seja o menor problema. Pela amostra do artigo, porém, não é. O jornalista refere, por exemplo, a expressão «arrear a giga». Ora, certo é «arriar a giga».

    Entrevistada ontem no Jornal da Tarde, uma das autoras, Cristina Vieira Caldas, afirmou que esta «era uma forma também de os miúdos, os jovens reviverem algumas destas expressões». Reviver expressões...

 

[Texto 6088]

Tradução: «warrant of arrest»

King Kong e a doutrina

 

      «A possibilidade de o juiz de instrução aplicar uma medida de coacção mais gravosa que a pedida pelo Ministério Público, que dirige a investigação, é bastante polémica nos meios universitários, entre os especialistas em Direito Penal. Mas está expressamente prevista na lei desde 2010» («Ministério Público não pediu prisão domiciliária de Ricardo Salgado», Mariana Oliveira, Público, 26.07.2015, p. 20).

   É, mal comparado, como sucede com a língua: entende-se que deve ser de determinada maneira, mas está consagrada outra. Ainda ontem, no Telejornal, à pergunta sobre se o Ministério Público podia ter proposto uma medida menos gravosa do que a aplicada, o advogado Miguel Matias afirmou categoricamente: «Não, não pode: o Ministério Público promove a medida mais gravosa. O juiz de instrução é que não pode, em regra, ultrapassar essa medida promovida pelo Ministério Público.» Então está na lei e o advogado afirma que não pode?

   Agora uma questão puramente linguística, ainda relacionada com o Direito: ontem, a TVI emitiu uma versão de 2005 de King Kong. Sobre a personagem Carl Denham, pôde ler-se nas legendas, a determinada altura, que havia um «mandato» de prisão. Não vi o nome do tradutor, mas aqui fica o aviso: se faz favor, aprenda a distinguir mandato de mandado. There’s a warrant out for your arrest.

 

[Texto 6087]