«Pedras no caminho?»
Não é tão linear
Lembram-se da polémica (se o chegou a ser...) sobre a autoria de um poema que falava de umas «Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...», lembram-se? Quem tiver acesso à edição do Público do dia 13 de Maio de 2007 verá que alguns leitores escreveram ao provedor, indignados por Laurinda Alves, um mês antes, ter atribuído a autoria a Fernando Pessoa. Um dos argumentos era o de que era «basto notória a genealogia brasileira do escrito», «com formulações sintácticas» que hoje «contaminam a escrita deste lado do Atlântico», mas que no tempo de Pessoa não eram perpetradas nem sequer do outro lado, «ao menos nos meios literários». E em que se estribava esta opinião? Ao que me parece, tão-só num se anteposto ao verbo: «Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.» Decerto, a próclise é a regra no Brasil, ao passo que em Portugal é, com todas as excepções, mal conhecidas, aliás, a ênclise. E tratando-se de um texto poético, mais liberdades temos de reconhecer. Considere-se este texto, por exemplo: «Amo assim: fixo, por bela, atraente, ou, de outro qualquer modo, amável, uma figura, de mulher ou de homem — onde não há desejo, não há preferência de sexo — e essa figura me obceca, me prende, se apodera de mim.» Será também de um autor brasileiro, de Pessoa ou meu, acabado de inventar?
[Texto 6140]