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Linguagista

«Pedras no caminho?»

Não é tão linear

 

      Lembram-se da polémica (se o chegou a ser...) sobre a autoria de um poema que falava de umas «Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo...», lembram-se? Quem tiver acesso à edição do Público do dia 13 de Maio de 2007 verá que alguns leitores escreveram ao provedor, indignados por Laurinda Alves, um mês antes, ter atribuído a autoria a Fernando Pessoa. Um dos argumentos era o de que era «basto notória a genealogia brasileira do escrito», «com formulações sintácticas» que hoje «contaminam a escrita deste lado do Atlântico», mas que no tempo de Pessoa não eram perpetradas nem sequer do outro lado, «ao menos nos meios literários». E em que se estribava esta opinião? Ao que me parece, tão-só num se anteposto ao verbo: «Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.» Decerto, a próclise é a regra no Brasil, ao passo que em Portugal é, com todas as excepções, mal conhecidas, aliás, a ênclise. E tratando-se de um texto poético, mais liberdades temos de reconhecer. Considere-se este texto, por exemplo: «Amo assim: fixo, por bela, atraente, ou, de outro qualquer modo, amável, uma figura, de mulher ou de homem — onde não há desejo, não há preferência de sexo — e essa figura me obceca, me prende, se apodera de mim.» Será também de um autor brasileiro, de Pessoa ou meu, acabado de inventar?

 

[Texto 6140]

Os «hibakushas»

Uma ideia portuguesa

 

      «Mas este ano, a memória dos 183 mil hibakusha — as pessoas afectadas pela bomba, os que sobreviveram aos engenhos nucleares lançados em Hiroxima e, três dias depois, sobre Nagasáqui — tem um sabor diferente» («Nuclear e II Guerra, os fantasmas que ainda atormentam os japoneses», Clara Barata, Público, 6.08.2015, p. 19).

   Em inglês, pluraliza-se a palavra, hibakushas. Cá, os jornalistas acham mais natural que fique invariável. «In this book, I propose to go beyond the mushroom cloud, in the hope of coming into further contact with, and developing greater appreciation for, the hibakushas of 1945» (Beyond the Mushroom Cloud: Commemoration, Religion, and Responsibility after Hiroshima, Yuki Miyamoto. Nova Iorque: Fordham University Press, 2012, p. 15).

 

[Texto 6139]

Como se escreve nos jornais

Olhem, é assim

 

      «Em 2011 e 2014, Obama quis ouvi-lo em privado, dissecou o site Politico na semana passada. A Casa Branca estava mais do que ciente de que Jon Stewart “era um influencer-chave dos millennials”, reconheceu Dag Vega, que trabalhou na Casa Branca com figuras mediáticas, ao New York Times. Os nascidos entre 1980 e os primeiros anos 2000 “confiavam nele para ter uma visão honesta das notícias”» («Fear and loathing na América: adeus Jon Stewart [sic]», Joana Amaral Cardoso, Público, 6.08.2015, p. 25).

 

[Texto 6138]

«Aura mítica»

Até é mais curto

 

      «Com a revelação pelo Ministério Público de que José Dirceu foi o principal beneficiário do esquema, cai por terra a aura mitológica» («Dirceu contava com indulto de Dilma no Mensalão e queria viver em Portugal», João Almeida Moreira, Diário de Notícias, 5.08.2015, p. 35).

      Dir-se-á também, mas prefiro aura mítica. «A imagem do ‘néctar’ — que é ao mesmo tempo o fluido adocicado produzido pelas flores e a bebida mítica dos deuses — combina as conotações da caracterização lírica tradicional da mulher como uma flor com uma vaga aura mítica e religiosa acentuada pelo valor ritualístico da palavra ‘cálix’» (Nós, Uma Leitura de Cesário Verde, Helder Macedo. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1986, p. 64).

 

[Texto 6137]

Tradução: «conservatory»

São feitios

 

      «De três em três meses, volta a ideia do conservatory. Fazemos planos, estudamos materiais. A Catarina fala com o pai, que é arquitecto. Consultamos o Chico e o José Domingos, ponderamos visitar os Ormondes e a Construtora. […] Certos dias é um jardim de Inverno e outros quase uma estufa. Na maior parte das vezes é um conservatory tradicional, à inglesa. […] Em duas semanas, passa. Eu penso no novo livro, a Catarina faz contas aos prazos das traduções. Três meses depois, estamos de novo naquilo – materiais e técnicas, estilos e consultas. Orçamentos. Um dia vamos fazer aquele conservatory. Talvez mesmo encontrar uma palavra portuguesa para o nomear convenientemente – ademais numa casa em que o único que não vive das palavras é o cão (e mesmo assim)» («Obras», Joel Neto, Diário de Notícias, 5.08.2015, p. 25).

      São feitios: eu começaria sempre por encontrar a palavra e só depois me lançaria à obra. O cão não pode colaborar, mas todos aqui faremos o que pudermos. Eu voto por jardim-de-inverno (prefiro com hífenes, como os meus leitores sabem vai para seis anos).

 

[Texto 6136]

Léxico: «estupeta»

Perdeu-se no caminho

 

      «Na sua lista de petiscos mais interessantes para a saúde, a dietista Simone Fernandes quer trazer à mesa a dieta mediterrânica, “privilegiando o azeite como gordura essencial e o peixe”. Por isso, destaca a salada de polvo, a meia-desfeita de bacalhau, a estupeta de atum, as amêijoas à Bulhão Pato e o marisco, concretamente as lapas grelhadas com sumo de limão e o mexilhão» («Caracóis, salada de polvo, amêijoas à Bulhão Pato: os petiscos de verão mais saudáveis», Joana Capucho, Diário de Notícias, 5.08.2015, p. 24).

      O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora também perdeu este verbete. É, ao que creio, regionalismo algarvio.

 

[Texto 6135]

Ortografia: «Entre-Ambos-os-Rios»

Ou todos ou nenhum

 

  «Anna [Altshul] percebe perfeitamente o que sentiu o poeta transmontano. Como não se alegrar com a paisagem que os seus olhos viram (veem) nos cinco hectares de terra que compõem o parque de campismo de Entre Ambos-os-Rios, em Ponte da Barca?» («Da Rússia, com amor. Como o glamping chegou ao Gerês», Rui Frias, Diário de Notícias, 5.08.2015, p. 22).

      Estranha grafia esta, Entre Ambos-os-Rios. Não será antes, como leio na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, Entre-Ambos-os-Rios?

 

[Texto 6134]