«Dever de/dever»
Mas não corrijam os clássicos
«Primeiro, porque, se me ordenasse, entendia que devia de ser padre a valer, e julgava-me incapaz de praticar as inibições que a função impõe» (Um Escritor Confessa-se, Aquilino Ribeiro. Lisboa: Livraria Bertrand, 1974, p. 33).
A verdade é que o verbo «dever» admite variação de complemento, pois tanto se usa, ligado à forma infinitiva, com a preposição «de», como sem a preposição. O que acontece é que, actualmente, a ausência da preposição, como notou José Neves Henriques, é mais corrente, e até sentida como mais correcta pelos falantes. Não se pode é afirmar, ignorando isto, como fazem por aí certas professoras (pobres alunos...), que correcto é apenas sem a preposição. E está sempre certo? Parece que não: a construção com preposição (dever de + infinitivo) indica probabilidade, suposição. Como interpreto a frase de Aquilino, não há ali probabilidade ou suposição, antes certeza, obrigação, precisão de um resultado (dever + infinitivo); logo, o escritor devia ter redigido assim a frase: «Primeiro, porque, se me ordenasse, entendia que devia ser padre a valer, e julgava-me incapaz de praticar as inibições que a função impõe.» Se alguém discordar, mais arraigada fica a convicção de que se deve prescindir — em todos os casos — da preposição. É o que recomendo. Contudo, quem anda a reeditar clássicos, o que é sempre meritório e útil, não deve pôr os textos nas mãos de quem não sabe o que está a fazer e, num caso como este, aspa as preposições.
[Texto 6216]