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Linguagista

Excesso de possessivos e desleixo

Daí o título

 

   «Mais tarde», prossegue Mário Cláudio, «e com a ligeireza característica do romancista que se acredita “feito”, principiaria eu a considerar Ferreira de Castro como o “bota-de-elástico” recorrente na auto-suficiência dos novatos. Pois não se afirmava que escrevia mal, distraindo-se em risíveis possessivos como “o cão abanava a sua cauda”? E não ironizara um colega seu, esse sim, admirável estilista, que o nosso autor, traduzido em inúmeras línguas, e viajando à volta do planeta a soldo de grandes periódicos cosmopolitas, prefigurava muito mais “um escritório” do que “um escritor”?» («O Escritório de Ferreira de Castro», Mário Cláudio, Diário de Notícias, 11.09.2015, p. 56).

  Lembram-se de termos já falado aqui de risível/ridículo? Não voltaremos hoje à questão. Muitos tradutores (os menos bons, convenho, e, logo, a maioria), eles sim, abusam dos possessivos e até dos pronomes pessoais, e só é pena que a subserviência e escasso conhecimento da língua levem muitos revisores a deixar passar tudo sem reparo.

 

[Texto 6228]

Léxico: «maiormente»

Sobretudo e principalmente

 

      Desde a leitura de Fernão Lopes que não via o advérbio maiormente, que, espantosamente, ainda está no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. No verbete, remete-se para «mormente». Aliás, este — sabiam? — é redução (com uns intermédios maormente e moormente, como se lê, por exemplo, em Bernardim Ribeiro) daquele. «Fomos viver num dos bairros mais pobres e problemáticos, com população maiormente afrodescendente», escreveu o autor, talvez, porque está na América Latina, por influência do castelhano mayormente, característico do registo coloquial.

 

[Texto 6227]

Plural de «torna-viagem»

BB diz como é

 

      Mário Cláudio estreia-se hoje no Diário de Notícias e escreve sobre Ferreira de Castro. E bem ou mal? Bem e mal. «O cavalheiro que todos os anos, e ao longo da década de sessenta, ocupava a mesa ao fundo do comedor do Hotel das Termas, o único das Caldas das Taipas, oferecia aos respectivos hóspedes uma identidade que sem dúvida os honrava. Quem não o reconhecesse poderia tomá-lo por um despachante da alfândega na reforma, e se se desse o caso de lhe ouvir o sotaque aqui e além abrasileirado, por um derradeiro representante da raça dos torna-viagem que Camilo Castelo Branco caricaturara» («O Escritório de Ferreira de Castro», Mário Cláudio, Diário de Notícias, 11.09.2015, p. 56).

      O plural do substantivo torna-viagem é torna-viagens: «Mas quando Lisboa é o cais da chegada, a chegada traz consigo o drama e a tragédia: as caravelas destroçadas, os torna-viagens da miséria, os soldados estropiados, os corpos dos mortos, o fim do império» (Lisboa Contada pelos Dedos, Baptista-Bastos. Lisboa: Montepio Geral, 2001, p. 21).

 

[Texto 6226]