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Linguagista

Léxico: «cegueira»

Obstinação ou paixão extrema

 

      «Se pudessem, mais tempo estavam no mar. “Tenho uma cegueira por isto”, confessa a pescadora [Helena Bacalhau] de 52 anos» («Mulheres do mar. O destino traçado antes de nascer», Kátia Catulo, «B. I.»/i, 12.09.2015, p. 21).

      É um sentido figurado que se usa mais (ou quase exclusivamente?) no Alentejo. «Eu agarrei logo uma grande cegueira por aquilo. Ouvi aquele camarada desconhecido a pôr problemas que eu achava justos para a gente, enfim, via que naquela luta nós podíamos apanhar uma vida melhor, mais ou menos em condições» (Memória alentejana: a vida no Alto Alentejo nas últimas décadas, a resistência e a reforma agrária, vol. 1, António Modesto Navarro. Amadora: N. A. Orion, 1977, p. 104).

 

[Texto 6240]

Ortografia: «xarroco»

São aquelas obras de referência que...

 

      «Na pedra da Rosa, no Mercado do Livramento, em Setúbal, pode-se mexer nas estrelas e nos ouriços-do-mar, no cavalo-marinho, no peixe-agulha e no charroco, o peixe mal-amado que, por ser tão feio, ninguém o quer e acaba na panela das pescadoras» («Uma segunda oportunidade», «B. I.»/i, 12.09.2015, p. 43).

      Não é como chichi/xixi, por exemplo. Há apenas uma grafia, que é xarroco. A obrigação da jornalista era consultar um dicionário, já que não sabe de cor.

 

[Texto 6239]

«Dia a dia/dia-a-dia», de novo

De quando em vez, é bom lembrar

 

   «“Uma Morte Súbita” segue o princípio que outras séries já abordaram: a imagem de uma Inglaterra fora do ambiente urbano, em que o dia a dia sem sobressaltos é assombrada [sic] por acontecimentos trágicos» («“Uma Morte Súbita”. Há vida além de Harry Potter», Augusto Freitas de Sousa, i, 12.09.2015, p. 43).

      Leia os meus lábios, Augusto Freitas de Sousa: escreve-se dia-a-dia, porque é substantivo. A locução adverbial é que se escreve sem hífenes, dia a dia.

 

[Texto 6238]

«Checkar/checar»

Ouça, Manuel Queiroz

 

      «[Artur Aguirre Mendes] Fala da pessoa “seriíssima” que é Passos Coelho e sobre a Tecnoforma ou a Segurança Social: “Ouça, na Tecnoforma não há nada, podem ir por onde quiserem. E da Segurança Social a culpa é minha, porque ele me disse que não havia problema nenhum e eu não fui checkar. Não fui. E se fosse não encontrava, porque não se detetaria [sic] nenhum problema. Mas a culpa é minha porque obviamente a equipa se preocupou com essas coisas”» («“Passos vai ganhar. Mas temo que seja pelo medo a Sócrates”», Manuel Queiroz, Diário de Notícias, 12.09.2015, p. 9).

     Se temos verificar e conferir, para não referir outras, não sei para que se recorre a ela. De qualquer modo, Manuel Queiroz, nunca se grafaria em itálico, pois está aportuguesada. No Brasil, onde se usa correntemente, a grafia é checar.

 

[Texto 6237]

Léxico: «sextortion»

Crime inglês

 

      «O crime — sextortion — é uma forma de exploração sexual que usa formas não físicas de coacção para extorquir favores sexuais à vítima» («Cuidado com o sextortion, alerta a PJ», i, 12.09.2015, p. 11).

      Já estou a ver o polícia, ligeiramente embaraçado, a pedir: «Soletre lá isso devagarinho, se faz favor.»

 

[Texto 6236]

Serão mesmo riquexós?

Versão ocidental

 

      «São conhecidos por fazer as delícias dos turistas e por pôr em franja os nervos dos taxistas. Mas aquela que será a principal empresa a operar os chamados tuk-tuks em Portugal está a ser investigada pelo Ministério Público (MP) por suspeitas de evasão fiscal que pode ascender às dezenas de milhões de euros nos últimos cinco anos, altura em que os primeiros riquexós (assim se chamam as viaturas) chegaram ao país» («Tuk-tuks. Ministério Público investiga fuga ao fisco de vários milhões», Pedro Rainho, i, 12.09.2015, p. 10).

      Serão mesmo riquexós? Para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, e os outros não registam nada de muito diferente, «veículo de duas rodas para uma ou mais pessoas, puxado por um homem a pé ou de bicicleta, muito usado no Oriente». Ou arranjam outro nome para os veículos, ou, a verificar-se que se lhes aplica, de forma alargada e consistente, os lexicógrafos têm de alterar a definição. Pelo menos o jornalista, ao contrário de muitos outros (mérito relativo), acertou no plural, tuk-tuks.

 

[Texto 6235]

«Sob (a) capa de»

Versão alentejana?

 

    «“Ao abrigo do capote da informação, diz-se o que se quer?”, questionou Cristóvão Carvalho [advogado da Tecnoforma]» («MP poupa ministro, comentador e jornalista a julgamento», P.R., i, 12.09.2015, p. 9).

      «Ao abrigo do capote da informação»... São tão, mas tão eloquentes estes advogados, não são? Devia querer dizer algo como «sob (a) capa de», isto é, com o pretexto, mas saiu aquela construção inaudita. «Os tios cónegos e capitães-mores, sob capa de administrarem os bens da viúva reclusa nas Ursulinas, introduziram em Calvados um capelão também encarregado de feitorizar as quintas» (A Enjeitada, Camilo).

      E a propósito deste feitorizar de Camilo: o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora deste verbo remete para feitorar, mas não regista (nem conheço dicionário algum que o faça) outra variante, que encontrei em Aquilino e me parece mais eufónica, feitoriar: «O senhor José Maria dos Santos não os quereria a feitoriar uma malhada de homens nas suas terras do Alentejo» (Um Escritor Confessa-se, Aquilino Ribeiro. Lisboa: Livraria Bertrand, 1974, p. 215).

 

[Texto 6234]

«Agro-ambiental/agroambiental»

Mas há outras opiniões

 

      «A ministra da Agricultura, Assunção Cristas, anunciou ontem que o governo iria reforçar em 200 milhões a verba do Programa de Desenvolvimento Rural, destinado às medidas agroambientais» («PS promete pagar factura de Cristas», i, 12.09.2015, p. 9).

      Seria assim — se o i seguisse o Acordo Ortográfico de 1990, porque a base XVI veio introduzir simplificações no uso do hífen nas formações por prefixação e por recomposição. Nos casos em que o prefixo ou o pseudoprefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal diferente daquela, as duas formas aglutinam­-se, sem hífen: agroambiental, autoavaliação, infraestrutura, paraestatal, etc. Todavia, para satisfação de muitos, o i (ainda) não aplica o AOLP90, logo, segundo Rebelo Gonçalves, que considerava agro- «elemento de natureza adjectiva», emprega-se sempre o hífen com esta forma reduzida.

 

[Texto 6233]