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Linguagista

Sobre «customizar»

Truz, truz, lógica

 

      Uma consulente, Ana Faria, pergunta a si mesma e ao Ciberdúvidas se é correcto o uso de «costumizar» em vez de «personalizar». A consultora, Sara Mourato, responde («“Customizar” e personalizar», Ciberdúvidas, 23.10.2015), como seria de esperar, que o verbo adequado é «personalizar». Em rigor, a resposta devia ficar por aqui. Não sei que português com um pingo de vergonha é capaz de usar «customizar». Na verdade, o que habitualmente se usa mais é esta, mas a consulente escreveu «costumizar», o que lançou a consultora na pista do que reputa — mas sem razão — a grafia «mais correcta».

    «Antes de mais», escreve a consultora, «ressalta-se que tanto o dicionário Priberam como o Dicionário da Porto Editora registam o verbo "customizar" (grafado desta forma) como sinónimo de personalizar. Cremos que este verbo, que entrou recentemente na língua portuguesa, é uma adaptação a partir do inglês customize. Customize, em inglês, significa “fazer ou mudar alguma coisa de acordo com as necessidades do cliente/freguês (customer)”, e, portanto, é sinónimo de personalizar.» O primeiro daqueles dicionários regista ambas as formas, pelo menos hoje; o segundo regista apenas «customizar», mas o Vocabulário Ortográfico da Porto Editora regista «costumizar». (Claro que não se diz, em bom português, «adaptação a partir do inglês», mas simplesmente «adaptação do inglês».)

     «Vejamos agora», convida-nos a consultora, «a formação do verbo "costumizar": este verbo é formado por costum- + izar. O elemento de composição latino costum- significa “costume, hábito, uso”, e a terminação -izar tem carácter frequentativo, tal como em arborizar (Diconário Houaiss 2001). Assim, em língua portuguesa, podíamos assumir que costumizar seria “fazer com que passe a costume”, e não “adaptar às necessidades do cliente”. Para evitar tal equívoco, o melhor será, portanto, recorrer a personalizar.» (Senhora consultora, não confunda aspas altas com plicas duplas. E “assumir” será o verbo adequado?)

      O sufixo verbal -izar («terminação» não me parece o melhor termo), o mais fecundo na língua portuguesa, não tem significação frequentativa, mas antes causativa. Confundiu, decerto, com o sufixo -itar, que, juntamente com outros, como -ear, -ejar, -icar, expressam repetição de uma acção, ou seja, o tal carácter frequentativo. Com o sufixo -izar, o sentido é o de «transformar em X, tornar-se X, adaptar a X», como escreve Antônio José Sandmann em Formação de Palavras no Português Contemporâneo (Curitiba: Scientia et Labor, 1989, p. 162). Não é esse, porém, o maior erro: em customizar, não vejo custom- + izar, mas antes customiz(e) + ar. Logo, o sufixo verbal é outro. Todavia, se fosse -izar — partindo de «costume» —, seria o mesmo do vocábulo mais adequado, personalizar. Neste caso já não é frequentativo? Os leitores, se analisarem com algum cuidado e demora a resposta da consultora, só podem ficar com mais dúvidas.  

 

[Texto 6369]

Profissionais da comunicação...

Pobres ouvintes

 

      «O espírito da ciência é o de se autocorrigir» (Cosmos, Carl Sagan. Lisboa: Gradiva, s.d., p. 14). Já vimos que na nossa língua isto não se diz assim. Contudo, como é o mesmo sujeito, passa. Hoje, porém — porque há sempre pior —, um comentador político afirmava, na Antena 1, com entono doutoral, que o «Presidente da República autoexcluiu os partidos da esquerda». Que alguém nos salve.

 

[Texto 6368]

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