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Linguagista

Mas não apenas Tokai

Não é indiferente

 

      Tokai — é como acabei de ler numa obra de Eça. «Ou será com capa?», perguntei a mim mesmo. «Grafa-se Tokai, Tokay, Tokaj ou Tokaji, esta última forma, que aparece nos rótulos das garrafas, significa “do Tokaj” em húngaro, isto é, da região que leva o nome da vila de cerca de cinco mil habitantes, no Nordeste da Hungria, nos montes Cárpatos» (Era Porto e Entardecia: de absinto a zurrapa: dicionário de vinhos e bebidas alcoólicas em geral na obra de Eça de Queiroz, Dário Moreira de Castro Alves. Lisboa: Pandora, 1994, p. 265). Tokaji é, então, a forma do genitivo.

 

[Texto 6310] 

«Quando mais»

Um saber descontínuo

 

      «Já Eugénio de Andrade, acusado por umas quantas más-línguas de se haver abastecido na safra de Homem de Mello, ocultava a coincidência com ele no gozo da herança de García Lorca, e da geração espanhola de 25, quanto mais não fosse no tocante a certas paisagens “verdes”, a do “que te quiero verde”, do “green god”, e do rapaz da camisola da mesma cor. Por simples chalaça, ou para se desculpar, verberava então a escassa cultura do poeta que evocamos hoje, apontando-lhe caricaturalmente o incurso em três erros de ortografia, de cada vez que precisava de escrever o onomástico “Rimbaud”, mas admitindo apesar de tudo admirar-lhe os versos, “às terças, quintas e sábados”» («Um poeta descontínuo», Mário Cláudio, Diário de Notícias, 9.10.2015, p. 56).

      Erro é erro, mas há erros e erros. Diz-se «quando mais» e não «quanto mais», como já vimos várias vezes. Em contrapartida: «Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.»

 

[Texto 6309]

Léxico: «marcor»

É uma forma de neologia

 

      «“Foi na prova Marcor, corrida intervalada com marcha. É um exercício com exigência a nível muscular. Os formandos foram assistidos no local, depois de uma avaliação, foi decidido transportá-los para o hospital, onde permanecem. Dois instruendos estão nos Cuidados Intensivos, um com rabdomiólise (síndrome grave causada por lesão muscular) com disfunção renal, outro com um pneumotórax. Os restantes recuperam de lesões traumáticas ligeiras”, referiu fonte oficial do Exército, adiantando que as lesões ocorreram na prova, em Alcochete, no dia 29 de setembro» («PJ Militar investiga abusos nos Comandos», Henrique Machado, Sara G. Carrilho e Magali Pinto, Correio da Manhã, 9.10.2015, p. 15).

      Isso é termo da gíria militar, não precisamos escrevê-lo como eles o fazem, não é? Quando muito, «marcor». É a amálgama de marcha + corrida. Mas há quem saiba: «Era o galho, que se ao saltarmos não fechássemos os pés havia tomatada no poste de certeza. Era aquela malfadada “marcor” (marcha-corrida) até à Ericeira e voltar a Mafra, com G3, barra de ferro, com não sei já quantos quilos, às costas» (Mato e Morro, João Fernandes. Lisboa: Prefácio, 2007, p. 50).

 

[Texto 6308]

Género neutro?

Eleito ou eleita

 

      «E o que é que eu pensei? Que o deputado de 70 anos é uma pensionista. Não diz lá o nome. Mas houve uma coisa que achei estranho, porque diz “o deputado” e “a pensionista”; podia ter dito “a deputada”, mas eu fiquei “bom, se calhar usou “o deputado” como género neutro, e mantive deputado”» («Rodrigues dos Santos refere-se a deputado do PS como tendo sido “eleito ou eleita”, mas assume que foi um equívoco», Catarina Marques Rodrigues, Observador, 8.10.2015, aqui).

      Sobre a substância da questão, não me vou, até por considerar que seria uma perda de tempo, pronunciar. Este é — lembram-se? — um blogue sobre a língua. Já aquele «género neutro» me interessa, e muito. Percebo o que quer dizer, José Rodrigues dos Santos, mas está errado. Género neutro é outra coisa. O género neutro existia, e teve grande importância, no indo-europeu e no latim clássico, mas nas línguas novilantinas não restam senão vestígios muito ténues dele. E não podia ser de outra maneira, dada a origem popular destes idiomas. O género neutro — palavra de origem latina que significa «nem um nem outro, nem masculino nem feminino» — era um artifício para referir os seres inanimados, que não têm sexo. Quando dizemos, por exemplo, que o Homem é o maior inimigo do Homem, empregamos o vocábulo em sentido universal. É disso que se trata.

 

[Texto 6307]

O vocativo e a pontuação

Não perdoamos

 

      «Foi revelada a carta que a namorada do ator Jim Carrey deixou antes de morrer. Na mensagem, Cathriona White pede desculpa ao companheiro: “Amo-te Jim, por favor perdoa-me... Não faço parte deste mundo”, escreveu» («Carta de suicídio revelada. “Amo-te Jim, por favor perdoa-me”», Correio da Manhã, 9.10.2015, p. 45).

      Já esta pontuação é deste mundo — ou da parte do mundo que não sabe pontuar. Ao escriba do Correio da Manhã: «Jim, I love you. Please forgive me. I’m not for this world.»

 

[Texto 6306]

Ortografia: «queda-d’água»

Muito mal sabido

 

      «O cadáver de um homem foi encontrado ontem à tarde junto a uma queda de água, no lugar de Sernande, em Aguiar de Sousa, Paredes» («Morto de pés e mãos atados», Mónica Ferreira, Correio da Manhã, 9.10.2015, p. 48).

      Não é assim, Mónica Ferreira: com o Acordo Ortográfico de 1990, os compostos que têm d’ mantiveram o hífen. Logo, queda-d’água, marca-d’água, caixa-d’água.

 

[Texto 6305]

Léxico: «mata-aulas»

Fazer gazeta

 

      «Nos próximos dias, desloca-se à província do Cuando Cubango uma comitiva multissectorial integrada por quatro inspectores que vão acompanhar o pagamento dos salários dos professores colaboradores. […] Durante o encontro de esclarecimento que reuniu directores e subdirectores das escolas de diferentes níveis de ensino, Miguel Kazavubo abordou também a situação da qualidade de ensino e aprendizagem, exames ou provas finais, comportamento dos professores e do fenómeno mata-aulas» («Salários em atraso são pagos», Weza Pascoal, Jornal de Angola, n.º 13 814, 10.10.2015, p. 23).

      É o nome que tem a balda, em especial às sextas-feiras, em Angola. Os adolescentes organizam festas em que fazem o que facilmente se imagina. Parece que são sobretudo os alunos do 1.º e do 2.º ciclos. Ora, só em Luanda, excluindo estudantes universitários, há 1,7 milhões de alunos.

 

[Texto 6304]

Léxico: «nitrila/nitrilo»

Que nem uma luva

 

      «As luvas descartáveis são utilizadas para manipulação de material de risco. Existem diversos tipos de luvas descartáveis, utilizados por profissionais que trabalham com produtos de limpeza ou da área da saúde. As luvas descartáveis são produzidas a partir de diferentes materiais, como látex, nitrila e vinil. […] Existem diversos tipos de luvas médicas, sendo as mais comuns as de procedimentos e as cirúrgicas. As luvas médicas são sempre descartáveis e geralmente diferenciam-se entre estéreis e não-estéreis. As não-estéreis, geralmente conhecidas como luvas de procedimento, são usualmente embaladas em pacotes com 100 unidades» («Luvas descartáveis», Jornal de Angola, n.º 13 814, 10.10.2015, p. 26).

      O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora só regista nitrilo: «nome genérico dos compostos orgânicos de grupo funcional –C ≡ N, que podem derivar-se das amidas por desidratação, e são isómeros metâmeros das carbilaminas». Numa norma, emitida em Agosto deste ano, da Direcção-Geral da Saúde, a propósito do uso de luvas não esterilizadas (e não é mais correcto do que «não estéreis»?), exemplifica-se com o material nitrilo. Serão, tudo o indica, sinónimos.

 

[Texto 6303]