Sobre «retornado»
Retorno ao sítio de onde se não partiu
Sobre retornado, disse Elsa Peralta, comissária da exposição «Retornar – Traços da Memória», na Galeria Avenida da Índia, em Lisboa: «A palavra “retornado” (e “retorno”) foi usada com um sentido pejorativo, o que fez com que as pessoas de facto não gostassem de se ver identificadas com essa categoria. Muitos definem-se como refugiados, como desalojados, e não como retornados.» Para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, «retornado» é «que ou aquele que, após a proclamação da independência dos territórios ultramarinos portugueses da África, regressou a Portugal». E os que vieram de Timor, não eram retornados? Mas só se regressa ao lugar de onde se partiu — e muitos destes «retornados» não tinham partido de cá. Aliás, alguns nem sequer eram brancos, e tinham nascido em África. Não será apenas por tudo isto que muitos se sentem ofendidos quando se lhes chama retornados. O conceito nasceu torto, isso é certo. E os dicionários não têm de afinar a definição? Que é pejorativo, afirmam muitos. «“Retornados” era a palavra pejorativa que se usava em Portugal para adjectivar os milhares de nacionais que tinham fugido de Angola» (Os Retornados: Um Amor Que nunca se Esquece, Júlio Magalhães. Lisboa: Esfera dos Livros, 2008, p. 166). Mas sê-lo-á para todos os falantes? Não me parece, mas é bem verdade que em alguns casos surge, estupidamente, quase como apodo infamante. José Pedro Machado, que havia de se cruzar e conviver com retornados nas pastelarias da Baixa que frequentava, e onde eu também o encontrava, não lhes deu acolhida no seu dicionário de 1981. O mesmo para o Dicionário Houaiss, edição portuguesa. Da definição do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa desapareceu a referência a África, indicando-se antes as ex-colónias, e em vez de independência fala de descolonização. Em conclusão, se não podemos mudar a História, alteremos pelo menos os dicionários.
[Texto 6388]