Com o AO90, reescreve-se ou re-escreve-se?
Onde é que isso está escrito?
Um leitor escreveu-me: «O AO90 obriga a escrever “re-escrever”? Os dicionários da PE e Priberam, assim como o corretor FLIP, dizem que não, mas Nuno Pacheco diz que sim, hoje na revista do Público. Fui ver o AO90 e não percebi... Que acha?» Fui ler: «Argumentações contra este acordo houve muitas: desde a importância da “expressão grafémica da ortografia” até à “formatação mutiladora do português europeu”, passando pela ridícula imposição à ciência (as propriedades “ópticas” dos minerais passam a “óticas”, o que nos levará a encostá-los aos ouvidos para confirmar), à idiotia de fazer regredir palavras já consagradas (“reescrever” passa a “re-escrever”, segundo o AO, por ter duas vogais iguais seguidas), ao desastre da confusão entre “fonémica” e “fonética” ou ao “atentado contra a significação corrente das palavras”» («Academia e bom senso», Nuno Pacheco, «2»/Público, 15.11.2015, p. 29).
A primeira vez que me referi a esta questão foi em 2009. Vejamos: a verdade é que a alínea b), n.º 1, da Base XVI do Acordo Ortográfico de 1990 não refere o prefixo re-, mas, note-se, a enumeração é meramente exemplificativa, e, por analogia com os mencionados, usar-se-ia hífen. A primeira dúvida que nos ocorre é se esta lista não devia ser taxativa. Devia. Logo, o texto do acordo foi mal pensado, mal redigido e, por consequência, só pode ser mal aplicado. Em rigor, sem nada mais ponderar, neste ponto, Nuno Pacheco tem razão. Contudo, há o chamado espírito da lei, de que Nuno Pacheco e muitos leitores já terão ouvido falar. Ora, àquela alínea do AO90 segue-se uma observação que diz isto: «Nas formações com o prefixo co-, este aglutina-se em geral com o segundo elemento mesmo quando iniciado por o: coobrigação, coocupante, coordenar, cooperação, cooperar, etc.» Ora, sendo o prefixo re- em tudo igual ao prefixo co-, naturalmente se deve entender que também constituirá excepção, que só não foi explicitada porque o prefixo não está na enumeração exemplificativa. Mas se é exemplificativa... Mandam o bom senso e a estabilizada tradição vocabular manter a fusão dos elementos.
Linguistas e lexicógrafos ainda andaram muito tempo desassistidos do auxílio de qualquer espírito, da lei ou santo. Assim, quando a Academia Brasileira de Letras lançou a primeira edição do seu dicionário escolar, em Novembro de 2008, supervisionado por Evanildo Bechara, registou re-edificar, re-editar, re-educar, re-eleito, re-embolsar, re-enviar, etc. Só na segunda edição deixaram de usar o hífen.
Repito: sem outras considerações, sem atender à intenção do legislador (também ele, vimo-lo, enredado nas suas próprias intenções, como os que, pela péssima caligrafia, não percebem o que escreveram), Nuno Pacheco tem razão. Pior andou a consultora do Ciberdúvidas Sandra Duarte Tavares («A grafia de reenviar e de reescrever (AO), 7.11.2011, aqui) ao afirmar categoricamente: «Porém, esta regra tem uma exceção: os prefixos co-, re- e pre- aglutinam-se sempre à palavra-base, mesmo que esta se inicie pelas vogais o ou e: cooperar, reeleger, preencher.» É caso para perguntar: onde é que isso está escrito? Perguntados sobre a questão, o máximo que podemos fazer é recomendar que se escreva, atentas as razões atrás expendidas, com fusão dos elementos, sem hífen; se tivermos tempo e espaço, explicamos tudo.
[Texto 6398]