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Linguagista

Tudo intraduzível?!

Sexta-Feira Negra sem carta verde

 

      «No caso dos irmãos responsáveis pelas bombas na maratona de Boston, há dois anos, Dzhokhar e Tamerlan Tsarnaev viviam no país desde que os pais tinham recebido asilo político. Dzhokhar era já norte-americano, Tamerlan tinha um green card, uma licença de residência e trabalho que antecede a residência permanente» («Nem um só refugiado esteve envolvido 
em actividades terroristas nos EUA», Sofia Lorena, Público, 26.11.2015, p. 25).

      Ah, sim, isto também é intraduzível. Aprendei com um semiletrado: «Eu puxei o cartão verde/Que no bolso ainda tinha/E disse dentro da mala/Tem lá a direcção minha» («Uma vida perdida», Jorge Caires, in Cantares de Além-Mar, com selecção, prefácio e notas de Eduardo Mayone Dias. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1982, p. 156). Vá lá, felizmente por estes dias só ouço e leio Sexta-Feira Negra...

 

[Texto 6429]

Ortografia: «bairro-de-lata»

Já no declive da alienação

 

      «Hoje, Francisco, o Papa que disse querer dedicar o seu pontificado aos mais pobres, aos que vivem “nas periferias do mundo”, deverá visitar um bairro de lata de Nairobi, antes de, já no Uganda, visitar um centro para sem-abrigo» («“O terrorismo nasce
 da pobreza”, disse Francisco aos quenianos», Sofia Lorena, Público, 26.11.2015, p. 25).

    Tem aqui uma infiltrada ou uma renegada, Nuno Pacheco. Mas Montexto tem razão: é bairro-da-lata que dizemos (bem, mas também é «rai-X» que se ouve...). «Assim as cenas da paixão de Cristo serão tratadas com extremo cuidado pictural, sublinhando-se a relação de condescendência e raiva destruidora impotente (por isso bufona) que se estabelece entre a gente endinheirada que protege os meninos pobres de um bairro da lata de Santiago do Chile e as facécias destes, já no declive da alienação, da hipocrisia, da maldade sonsa» (Viagem à União Soviética e Outras Páginas, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Seara Nova, 1973, p. 88).

 

[Texto 6428]

Legenda do dia

Escrita não revista

 

   Legenda de uma imagem na edição de hoje do Público: «Howard Eynon adolescente, montado numa mota qual“Easy Rider” solitário e actualmente». Só com uma dose generosa de Captagon é que o leitor perde o medo de ler uma frase com esta pontuação.

 

[Texto 6427]

Título do dia

Ninguém viu nada

 

    Título da capa da edição de hoje do Público: «Angela Merkel, François Hollande e a mayor de Paris, Anne Hidalgo, em homenagem às vítimas dos atentados terroristas». Podiam espalhar-se com mais estilo: a alcaldesa de Paris, Anne Hidalgo; a maire de Paris, Anne Hidalgo. Mas, se estava ao lado de Angela Merkel, que estava de visita, não devia ser Bürgermeisterin von Paris, Anne Hidalgo?

 

[Texto 6426]

Sobre o apelido Van Dunem

Só para prevenir

 

      «Mas se a qualidade 
da nomeação de Van Dunem é ainda incerta, isto, pelo menos,
 já temos como certo: António Costa não retirou qualquer ilação política nem do desastre de 2011, nem da detenção de 2014» («José Sócrates nunca existiu», João Miguel Tavares, Público, 26.11.2015, p. 48).

      Van Dunem. Já começou. Faz parte de um projecto para a igualdade, todos tratados pelos apelidos. Ontem perguntaram-me se se deve escrever, com o nome completo, van ou Van. Depende. Tinha de ver a certidão de nascimento da futura ministra da Justiça. Em rigor, seria Francisca van Dunem; só o apelido, Van Dunem; em indicações bibliográficas, VAN DUNEM, Francisca. Contudo, depois de tantas gerações, e tendo em conta que o apelido é originalmente holandês, pode entretanto ter-se deturpado. E quem não viu já, em livros revistos (para os quais há mais do que os 60 segundos que dedicam nos jornais a estas questões), Van-Dúnem e Van-Dunem? Alguns irmãos de Francisca van Dunem. Francisca van Dunem, dos Van Dunens de Angola.

   Também ontem, a propósito desta questão, me dizia o meu interlocutor que, há uns anos, andou à procura do nome do patriarca de Lisboa na lista de cardeais do sítio do Vaticano. Começou por procurar no p, mas não constava nenhum Policarpo, pelo que passou ao c, de Cruz, e nada também. Só quando os foi ver um a um o descobriu: estava como Da Cruz Policarpo, no d, claro. Em português é exactamente como em castelhano, os apelidos que têm o genitivo da, das, de, dos, do são assim referidos: FIGUEIREDO, Fidelino de; VALLE INCLÁN, Ramón de. Nos nomes italianos, também se pospõem geralmente as partículas da e de, mas não as partículas lo, dall’, di, della, dalla, degl’, d’. Nos nomes holandeses, que é o que vem mais ao caso, as partículas ten, ter, van, van den, van der são inseparáveis do apelido, daí VAN DUNEM, Francisca.

 

[Texto 6424]