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Linguagista

«Navalha de ponta e mola»

Um corno

 

      «Sempre calado, o Feixa tirou do bolso uma grande navalha de ponta e mola, abriu-a e pôs-se a cortar com ela o naco e o bife, a olhar-me de soslaio de vez em quando» (A Criação do Mundo, Miguel Torga. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2013, 4.ª ed., p. 492).

      Navalha de ponta e mola. Cada vez que leio isto, vou a correr ver se os dicionários já a registam e, sobretudo, se não caíram na asneira de a grafar com hífenes. Quero ser o primeiro a saber. Vá lá, ainda não foi desta. Perguntem-me agora como a vi escrita. Não perguntem, eu digo: «Navalha de ponta em bola»! Deviam ser letais, essas navalhas. Devem estar a confundir com os touros embolados. Infelizes.

 

[Texto 6459]

 

 

Embolado.jpeg

Imagem daqui.

 

«Em França/na França»

Clamam no deserto

 

      «Os leitores Filipe de Menezes e Alexandra Campos do blogue Golfe das Catifarras continuam a clamar aos jornalistas
 do PÚBLICO: “Se V. Exas. insistem
 no uso do artigo em França, pede-se coerência, consistência e uniformização. Recorrentemente, publicam textos em que França é redigido com e sem artigo, isto na mesma peça. Se o aplicam (‘a França’), então deverão sempre usar ‘na França’, também em vez de ‘em França’”. Salvo opinião de outros peritos, creio, têm razão» («Em França/na França», «Correio dos leitores/provedor», Público, 6.12.2015, p. 51).

      Vá lá, desta vez não foi ouvir a opinião de nenhum especialista, perito ou estudioso. Há esperança. E esse blogue existe mesmo? É que não o encontro.

 

[Texto 6458]

«Solução de continuidade»

É perda de tempo

 

      Eu já aqui tinha alertado para a forma errada como se interpreta e usa esta expressão. «O leitor Fernando Rego vem notar a pequena diferença de uma eventual precisão na construção da notícia, inserta no PÚBLICO nas páginas 1 e 25 da edição de 03.12.2015. O título escreve: “Ana Pinho é solução de continuidade em Serralves.” Comenta o leitor: “O jornalista Sérgio C. Andrade quis dizer que Ana Pinho é uma interrupção (corte, descontinuidade) para Serralves? Claro que não! O que ele não sabe é que ‘solução de continuidade’ quer dizer precisamente o contrário do que sugere. Assim, o título deveria ser: Ana Pinho é a solução para a continuidade em Serralves.” E traz ainda um P. S.: “P. S. É uma particularidade das línguas latinas. Em francês acontece o mesmo com ‘solution de continuité’”» («Eventual precisão de um título», «Correio dos leitores/provedor», Público, 6.12.2015, p. 51).

 

[Texto 6457]

A maldição do «colocar»

Não saímos desta

 

      «Toda esta discussão em volta dos acontecimentos recentes e a ligação feita aos movimentos migratórios devem assustar-nos e colocar-nos alerta para os que irão utilizar estes massacres como argumento das suas ideias de xenofobia e intolerância» («Paris, e agora?», Manuela Niza Ribeiro, Público, 6.12.2015, p. 48).

   Pois não, não é jornalista, mas sim professora universitária e presidente do Sinsef, Sindicato dos Funcionários do SEF, o que prova que a maldição é mais universal do que se pode crer. Quem é que, com um conhecimento menos que perfunctório da língua, escreve assim? No caso, «colocar» não usurpou o lugar de direito do verbo «pôr»: podia simplesmente escrever-se «devem assustar-nos e alertar-nos». Nada mais.

 

[Texto 6456]

«Problemística» e «policiário»

Sempre a tempo

 

      «É o elo primordial da problemística policiária. É ele o verdadeiro detective que vai decifrar os casos e lutar contra os criminosos. É para ele que se produzem os desafios, em última análise» («Produções, produtores e decifradores», Luís Pessoa, Público, 6.12.2015, p. 43).

    Se tivéssemos um Sacconi, problemística e policiário já estavam nos dicionários há anos, mesmo que sejam usadas por meia dúzia de falantes. Quantas dessas não terá ele acolhido? Claro que no Brasil é meia dúzia a multiplicar por não sei quanto. Mas nada de ilusões: o Brasil é o 8.º país do mundo com mais analfabetos. Ainda as editoras portuguesas pensavam que, com o Acordo Ortográfico de 1990, iam vender para o Brasil milhões de exemplares dos livros que publicam. Hoje, já ameaçam recuar se a situação não se definir.

 

[Texto 6455]

Ortografia: «musculoesquelético», de novo

Nascidos para a profissão

 

      «De acordo com a FNE [Federação Nacional de Educação], metade dos inquiridos revelou já ter faltado ao serviço por causa de lesões musculo-esqueléticas e quase todos (95%) afirmaram que os respectivos problemas de saúde estão frequentemente relacionados com as condições de trabalho» («FNE quer stress na lista de doenças profissionais», Público, 6.12.2015, p. 21).

   A última vez que escrevi aqui que é musculoesquelético ou musculosquelético foi em 2011. Entretanto, até já nasceram alguns jornalistas.

 

[Texto 6454]

«Por arrasto»

Vai-se repetindo

 

   «Quando José Sócrates o chamou para ministro dos Assuntos Parlamentares pôde finalmente revelar todos os seus dotes estratégicos e, por arrastamento, toda a sua concepção sobre o exercício do poder. Paulo Rangel via nesse exercício “uma lógica maquiavélica, no sentido original do termo”, que se apresentava através da “defesa de um poder puro e duro, na qual os fins justificam os meios”» («Augusto Santos Silva. O “príncipe” que nenhum líder do PS ousou dispensar», Manuel Carvalho, Público, 6.12.2015, p. 10).

    De vez em quando, tenho de voltar a falar de certos erros. Terá Manuel Carvalho algum amigo — ou um colega: Nuno Pacheco, quer fazer o favor? — que lhe diga que a expressão correcta é «por arrasto»? Mas não o incomodem por tão pouco: digam-lhe também que é maoista e maoismo que se escreve. E que uma marca é nome próprio, logo, Alka-Seltzer. E que... Ah, esqueçam.

 

[Texto 6453]