Gerúndio antecedido de preposição
Portuguesíssima
Perguntaram-me, na semana passada, se em português existe a construção em + gerúndio. Já existia no português arcaico, questão tratada em tempos no Assim Mesmo. O gerúndio é, juntamente com o infinitivo na construção para + infinitivo, a única forma verbal que pode vir regida de preposição, e usa-se para expressar tempo, hipótese ou condição. Tempo: «Em aparecendo o Sol, as névoas começam a sua missão agitada» (As Ilhas Desconhecidas, Raul Brandão). Hipótese: «Em se tratando de maroteira mestra, não só metias os teus dois oiros de eloquência choca em teus discursos, mas sempre aparecias com um projecto de decreto, com um projecto de lei» (Tripa por Uma Vez, José Agostinho de Macedo)*. Condição: «Em fazendo isto, poderás vir, e ver-me» (A Santa Bíblia, P.e António Pereira de Figueiredo).
[Texto 6479]
* Errou, pois, o consultor do Ciberdúvidas A. Tavares Louro ao afirmar («“Em se tratando” = “tratando-se de”», 6.10.2004, aqui) isto sobre a estrutura em apreço: «Parece-nos que a forma apresentada corresponde a um galicismo, dado que na língua francesa existe o “gérondif”, em que o particípio presente é precedido de en. Exemplo: “Il lit en se promenant”, que se pode traduzir por “Ele lê passeando”, “Ele lê a passear” ou “Ele lê enquanto passeia”. Talvez seja melhor substituir “Em se tratando...” por “Tratando-se de...”, “Quando se trata de...”. Parece-nos que o conjunto “Em se tratando” é uma má tradução da forma francesa “En s’agissant”.»