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Linguagista

Léxico: «tapa-olhos»

Três à mão-tente

 

      Até recentemente, ninguém queria um tapa-olhos. «E o mesmo foi convidá-lo com três tapa-olhos à mão-tente, cascados de tal guisa que, ao terceiro, o sujeito mordia o macadame dos fortes colhidos de sobressalto, resvalando os dous degraus que o separavam do seu infausto amigo» (O Carrasco de Vítor Hugo José Alves, Camilo Castelo Branco, in Obras Completas, Porto: Lello & Irmão, Editores, 1987, p. 73). Era assim quando tapa-olhos eram apenas bofetadas, dadas à mão-tente ou não. Agora, também já é uma venda para os olhos. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora ainda não descobriu estes.

 

[Texto 6484]

Locução preposicional «à roda de»

E tudo o vento levou

 

      «“Numa altura em que estava consolidada a obtenção de mais de 8.000 assinaturas necessárias para, na próxima semana, formalizar junto do Tribunal Constitucional a candidatura presidencial de Graça Borges Castanho, o forte temporal que se abateu sobre a Ilha de S. Miguel inutilizou, ao final da tarde do dia de ontem [segunda-feira], à roda de 6.000 formulários, o correspondente a sensivelmente 3.000 assinaturas”, descreve em comunicado o mandatário da candidatura, António Delgado» («Graça Castanho desiste de candidatura por assinaturas terem sido levadas pelo vento», edição em linha do Público, 15.12.2015).

      Chamaram-me a atenção (obrigado, Rui Almeida) para este artigo por causa da locução preposicional à roda de, pouco usada no dia-a-dia. Usemo-la. (Imagino que no Brasil a dificuldade seja a crase em à roda de...) Sobre o azar cósmico de um pé-de-vento ter destruído a candidatura, pouco se pode dizer, a não ser, talvez, lembrar ao pessoal da candidatura que até nas lojas dos chineses se vendem elásticos.

 

[Texto 6483]

Género de «personagem»

Apesar de tudo

 

     Eis um professor que aprendeu que a palavra «personagem» é do género feminino. Quando um aluno escreveu «o personagem», assinalou o erro; o aluno, porém, ficou completamente baralhado, pois no ano lectivo anterior outro professor corrigira-o por atribuir o género feminino à palavra.

   Todos conhecemos as boas razões para considerar personagem apenas do género feminino, mas há muito que é difícil encontrar dicionários que não a registem como palavra de ambos os géneros. Lê-se no respectivo verbete do Grande Dicionário Sacconi, que a considera sobrecomum (como a criança ou o cônjuge): «O VOLP classifica esta palavra como substantivo comum de dois, admitindo, assim, ao lado de a personagem, também o personagem. Convém salientar, no entanto, que nada há que justifique o seu emprego no gênero masculino, em nossa língua» (p. 1584). Termina assim: «Apesar de tudo, porém, não há erro no emprego de “o personagem”, pela razão exposta inicialmente.» Dito assim, é um argumento de autoridade. Bem, seja como for, não pode é vir alguém — professor ou não — virar tudo das avessas e reputar errado atribuir-lhe o género feminino. Isso é que não. Para terminar, devo lembrar que já Rebelo Gonçalves, no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), verdadeira bíblia da ortografia, a regista dos dois géneros.

 

[Texto 6482]

Excesso de palavras

Corte, vá cortando

 

   «Considerando que o ambiente político se tem aprofundado em “crispações várias”, o Presidente tem que [sic] ter a “capacidade, vontade e preocupação” de procurar canalizar as energias de todos na construção de um país melhor — e aproveitou para auto-elogiar a sua capacidade de “construir pontes entre pessoas com posições em confronto”» («Maria de Belém critica Presidentes intrometidos», Maria Lopes, Público, 15.12.2015, p. 5).

    Pois, mas elogio em boca própria é vitupério, ou não? E, Maria Lopes, para quê o auto-, tem medo de ficar apeada? «Aproveitou para elogiar a sua [própria] capacidade». E para quê «presidentes» com letra grelada?

 

[Texto 6481]

Expressões fixas

Então já não é

 

  «A visita a um cemitério proporciona, na actualidade como nos tempos idos, motivos profundos de reflexão, na medida em que aí nos é possível colher flagrantes da atitude do Homem perante a Morte» (Epigrafia. As Pedras Que Falam, José d’Encarnação. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010, 2.ª ed., pp. 32-33).

    Algum erro, ali em cima? Não me parece. Em 2014, um engenheiro angolano quis saber se se diz «em tempos idos» ou «nos tempos idos». A consultora do Ciberdúvidas Sara Mourato respondeu: «A expressão corrente em português, atestada por António Nogueira dos Santos em Português – Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 2006), é “em tempos idos”. São duas as entradas que podemos encontrar para esta expressão fixa – “em tempos” (ou “em tempos que já lá vão”) e “em tempos idos”, ambas com o significado de “num passado distante”. Verificamos, portanto, que não existe nenhuma ocorrência da expressão “nos tempos idos”, pelo que a ausência de artigo definido se explica pela razão de estas expressões se terem fixado assim mesmo.

   Por expressão fixa, entende-se uma expressão constituída por mais do que uma palavra, cujo significado não pode ser inferido a partir do significado das partes que o constituem. Nelas, os elementos constitutivos são distribucionalmente fixos, ou seja, têm pouca flexibilidade para sofrer alterações, como o caso de “em tempos idos” ilustra bem» («A expressão fixa “em tempos idos”», 15.01.2014, aqui).

   Acaso há expressões que não sejam constituídas por mais de uma palavra? E na expressão «em tempos idos» o significado não pode ser inferido do significado das partes que o constituem? Parece-me que pode. Então, sendo assim, já não é expressão fixa?

 

[Texto 6480]