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Linguagista

Mesóclise, uma hiperdiferenciação?

Maminhas e mesóclise

 

      A Kardashian mais nova, Kendall Janner, anda bem lançada no mundo e a fazer o que provavelmente melhor saberá fazer: mostrar as maminhas. Até aqui, tudo perfeito, pois também Camões disse da mulher de Neptuno: «Que o corpo cristalino deixa ver-se,/Que tanto bem não é para esconder-se» (Lus., VI, 21). Acontece que a Kendallzinha recebeu um «gosto» no seu Facebook (por agora, só aqui) do nosso CR7 e, embeiçada, quer encontrar-se com o rapaz. Ofuscado com os patentes atributos da rapariga, um jornalista da Bola esqueceu-se da mesóclise: «“Faria-o sem qualquer dúvida”, afirmou uma fonte próxima da modelo, em declarações reproduzidas pelo Hollywood Life.» E não vimos já assistentes universitários, de Letras!, estatelarem-se no mesmo erro? Pouco intuitivo e mesmo arcaizante, quase apenas de uso literário, está destinado a desaparecer. Como desapareceu noutras línguas, como o castelhano, o catalão, o provençal. Perdida já a noção de que são, na verdade, duas formas verbais, infinitivo + haver — explicar lhe hei —, é uma questão de tempo. Condenado porque tão idiossincrático como a consoante geminada com ponto elevado do catalão, l·l. Il·lustríssims. Isto não se faz...

 

[Texto 6575]

Léxico: «bitensão», «bibitola»

E, por isso, neologismos

 

      «Esses comboios são dotados de bitensão, o que significa que, quando os espanhóis electrificarem a linha de Salamanca até Vilar Formoso, os S-120 poderão circular sem barreiras técnicas entre Portugal e Espanha. Enquanto isto, a gestão dos Alfa Pendulares será feita com pinças, com uma reduzida margem de manobra para imprevistos» («“Revisão da meia vida” dá nova cara aos comboios Alfa Pendulares», Carlos Cipriano, Público, 28.01.2016, p. 8). Como também há o termo bibitola: «São também comboios bibitola, o que significa que podem circular em bitola ibérica e bitola europeia, se bem que, no caso português, isso é indiferente, uma vez que em Portugal só há uma bitola» («CP quer alugar pela primeira vez comboios de longo curso a Espanha», Carlos Cipriano, Público, 26.12.2015, p. 18).

    Nada de especial, pensarão, simples acrescento de prefixo a vocábulos que não são novos, mas não é bem assim. E mais: não será raro encontrá-los escritos com hífen...

 

[Texto 6574]

Sobre «pendular»

Agora, uma questão técnica...

 

      «Os pendulares (assim designados por se inclinarem nas curvas por forma a não terem de reduzir a velocidade), que deveriam ter sido estreados aquando da Expo-98, acabariam por só chegar a Portugal em 1999 — foram importados de Itália e montados na antiga Sorefame na Amadora. Desde então, as dez unidades já percorreram 41 milhões de quilómetros» («“Revisão da meia vida” dá nova cara aos comboios Alfa Pendulares», Carlos Cipriano, Público, 28.01.2016, p. 8).

      Nem sempre pensamos porque se chamam assim, pendulares. «Que tem suspensão oscilante como a de um pêndulo, para maior segurança» (Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora); «aquele que tem suspensão oscilante semelhante à de um pêndulo, o que lhe confere maior segurança e velocidade» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa).

      (Despiorando: «Os pendulares (assim designados por se inclinarem nas curvas para não terem de reduzir a velocidade), que deveriam ser estreados por ocasião da Expo 98, acabariam por chegar apenas a Portugal em 1999 — foram importados de Itália e montados na antiga Sorefame na Amadora. Desde então, as dez unidades já percorreram 41 milhões de quilómetros.»)

 

[Texto 6573]

Sobre «ponte», aspas e falta de revisão

Isto nunca mais acaba

 

      «Os trabalhos de revisão vão decorrer nas oficinas da EMEF (empresa do grupo CP) no Entroncamento e deverão ocupar cerca de 60 trabalhadores durante 30 meses. Durante esse período a CP fica com menos um comboio para responder aos picos de procura, normalmente aos fins-de-semana, em períodos de férias, “pontes” e nos meses de Verão» («“Revisão da meia vida” dá nova cara aos comboios Alfa Pendulares», Carlos Cipriano, Público, 28.01.2016, p. 8).

      Carlos Cipriano, para que são as aspas em «ponte»? Querem ver que é um uso metalinguístico? É uma acepção como outra qualquer: «dia útil em que não se trabalha intercalado entre um feriado e um fim-de-semana» (Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa apenas regista a expressão fazer ponte, o que não me parece o mais correcto, e por uma razão bem simples: não se usa só integrada na expressão.

 

[Texto 6572]

Vírus de Zica

Têm de se decidir

 

      Hoje foi assim: «Confirmados cinco casos de vírus de Zika no país» (Público, 28.01.2016, p. 7). Na terça, assim: «Como o Brasil demorou para declarar o Zica uma emergência» (Kathleen Gomes, Público, 26.01.2016, p. 24).

      Escrever-se com c ou com k não é a única questão. As designações de doenças — já o lembrei muitas vezes — escrevem-se com minúscula inicial, excepto os nomes próprios que contenham. Ora, Zika é um nome próprio. Podemos, e até devemos, aportuguesá-lo, mas não deixará de ser nome próprio: Zica. Logo, vírus de Zica. Se for usada menos formalidade — como é o caso do segundo título —, pode então usar-se a minúscula, como, para o castelhano, a Fundéu recomenda. O que convém é não mudar de opinião de dois em dois dias.

 

[Texto 6571]