Era uma ilusão; agora é uma mentira
«Embora o AOLP possa conter imperfeições, constituiu o primeiro instrumento palpável de harmonização
da ortografia da língua portuguesa, após décadas de tentativas frustradas. A sua plena vigência em países como Brasil, Portugal e Cabo Verde deve servir de estímulo ao seu aperfeiçoamento, sempre por meio de ação coordenada dos Estados membros da CPLP e com a participação da sociedade civil de nossos países» («O Brasil e o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa», Mário Vilalva, Público, 9.02.2016, p. 40).
Para o senhor embaixador do Brasil, não é facto assente que o acordo contém imperfeições. No entanto, para o caso de ser como se diz, tem a solução ideal: apliquem-no e depois falamos. É como se um novo medicamento fosse administrado logo à partida em doentes, sem prévia fase de experimentação. Quem quer trocar uma ortografia estável, com problemas e incongruências que se podem resolver com uma pequena reforma, por um esboço mal pensado de uma ortografia que não alcança o principal objectivo (embora utópico) que a podia legitimar, a harmonização? Ainda que o AO90 fosse esse mirífico «primeiro instrumento palpável de harmonização
da ortografia», o que sempre foi uma ilusão e, agora, repetido, uma descarada mentira, faltava saber se isso era desejável. Se a diversidade é boa para tudo o mais, porque não o será para a ortografia? O caminho é esse, a diversidade, que, de qualquer modo, já existe quanto à sintaxe, ao vocabulário, à própria realidade a que a língua se refere. Deixem cada país seguir o seu caminho.
[Texto 6606]