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Linguagista

Léxico: «isco»

Este é para o pão

 

      Apesar de se ter voltado a fazer pão em casa — conheço várias pessoas que o fazem —, os conhecimentos e mesmo o vocabulário relativo a esta arte até dos dicionários vai desaparecendo. Pelo menos de alguns. O Dicionário Houaiss (2003), por exemplo, não regista isco no sentido de fermento. Ainda está no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: «fermento de que, quando está na sua máxima força, se tiram outros fermentos para a panificação». E no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa: «Porção de massa que se separa do todo da fornada e se deixa continuar a fermentar para se usar no trabalho da panificação. ≈ fermento.» Numa obra sobre pão, traduzida, está assim: «Mistura de farinha, fermento e água, deixada a fermentar entre 2 horas a [sic] 5 dias ou até 2 semanas. Usado como agente de fermentação em alternativa à levedura para levedar a massa do pão. Adiciona-se à farinha na fase de mistura afectando o sabor e a textura do pão» (Pão — Como Fazer Pão à Mão ou à Máquina, Eric Treuille e Ursula Ferrigno. Tradução de Paulo Godinho. Lisboa: DK/Civilização, 2006, p. 164). Na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira: «Quantidade de massa, que se aparta da massa de uma fornada, e que se deixa fermentar, para os trabalhos da panificação; fermento.» Isco, em certas acepções, é sinónimo de isca. Em castelhano, diz-se masa madre.

 

[Texto 6626]

Léxico: «condrócito»

Não lêem o Público...

 

    «A explicação de Anthony Atala é uma boa introdução sobre este novo método de impressão, mas não explica passo a passo como é que a partir daqueles ingredientes se obtém uma orelha viva. Afinal, uma orelha é essencialmente feita de cartilagem — uma matriz esbranquiçada à base de colagénio produzida por células especializadas chamadas condrócitos» («Por favor, imprima-me uma orelha», Nicolau Ferreira, Público, 17.02.2016, p. 24).

   Condrócito... No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, nada; no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, nada; no Dicionário Houaiss (2003), nada; no Grande Dicionário Sacconi, nada...

 

[Texto 6625]

Sobre «forró», de novo

Do portinglês

 

      Decerto se lembrarão das várias teorias sobre a origem do termo forrobodó e a ligação com o vocábulo forró. Recebi ontem uma achega de Ana D’Avillar, psicóloga brasileira que vive em Portugal. Quando Ana D’Avillar participou no projecto Alfabetização Solidária, do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), esteve em contacto com a cultura nordestina, berço do forró, onde, de geração em geração, se tem transmitido o conhecimento de que a palavra «forró» surgiu como aportuguesamento da expressão inglesa for all, utilizada pelos ingleses residentes quando organizavam bailes para todos. Si non è vero... É que já temos casos semelhantes. O que me vem logo à memória é alvarozes. Conhecem? Os emigrantes açorianos nos Estados Unidos e no Canadá, quando regressavam ao arquipélago, traziam na bagagem linguística várias palavras nunca antes ouvidas... Uma delas era alvarozes, com que designavam uma espécie de jardineiras ou macacão, do inglês... overalls.

 

[Texto 6624]

Léxico: «coleto»

Saímos da Península Ibérica

 

      «A viagem de Francisco a Chiapas “incomodou” a cúpula da Igreja mexicana e os chamados “coletos”, o nome dado às famílias tradicionais, herdeiras dos colonos europeus, que prometeram boicotar a cerimónia religiosa por causa da sua associação às “causas” indígena e zapatista» («Papa denuncia séculos de repressão e exploração dos povos indígenas», Rita Siza, Público, 17.02.2016, p. 23).

      O Dicionário da Real Academia Espanhola nem sequer, para minha estranheza, regista a acepção. Mas os coletos são mais do que isso. «Según Sulca [Édgar Sulca Báez], los coletos sustentan orígenes españoles, sangre azul, condición de propietarios y ascendencia de antiguos terratenientes, arquitectura propia y sentido de territorialidad y centralidad en la ciudad, religiosidad católica y “superioridad educativa”» (Imágenes del Racismo en México, Alicia Castellanos Guerrero (coord.). México: Plaza y Valdés/UAM-I, 2003, p. 67).

 

[Texto 6623]

Ortografia: «Quios»

Só os dos ratos

 

      «A abertura destes centros (os chamados hotspots) esteve inicialmente prevista para o Outono passado, mas foi sendo sucessivamente adiada até agora. Uma fonte governamental grega garantiu ontem à AFP que quatro centros vão “abrir formalmente” nas ilhas de Lesbos, Chios, Leros e Samos, primeiras etapas na Europa, junto às costas turcas, dos fluxos migratórios actuais» («Pressionada pela UE, Grécia vai abrir já quatro hotspots para migrantes», Público, 17.02.2016, p. 21).

      Chios! O que gostava era de ouvir depois um colega deste jornalista, na rádio ou na televisão, a ler a palavra. Em português, o nome desta ilha no mar Egeu é Quios, como Quios são os naturais ou habitantes da ilha.

 

[Texto 6622]

Ortografia: «má-língua»

O uso e a norma

 

      «Uma achega final. Há quem recorde o papel de Dias Loureiro no BPN e garanta haver mãozinha sua neste negócio. A mim parece-me mera insinuação, fruto de
 más línguas» («Miguel Relvas, o Efisa e a selva», João Miguel Tavares, Público, 17.02.2016, p. 48).

      Poucas vezes a vejo escrita com hífen. Sim, mesmo em livros revistos. Portanto, concluiriam alguns, não se usa. Pontos de tensão entre o uso e a norma prescritiva já vimos aqui muitos, mas seria o salve-se quem puder se enveredássemos cegamente por esse caminho de genuflectirmos sempre ante o soberano uso. E há casos e casos. Recentemente, em conversa sobre questões da língua, uma amiga dizia-me que nunca usava Pompeia, mas apenas Pompeios. Ser classicista há-de pesar na opção. Pouco depois, um revisor confessava-me que nunca ouvira que Pompeios era preferível a Pompeia.

      «Não é caso disso... É caso de me ouvirem, e estou certo que me vão dar razão... É preciso travar as más-línguas do mundo, meninas!» (Teatro Escolhido, Ramada Curto. Lisboa: INCM, 2004, p. 274).

 

[Texto 6621]

De diques fusíveis a abafa-chamas

Alguém que nos explique

 

      Quando ontem vinha da Antena 2, onde fui entrevistado por Luís Caetano, uma das melhores vozes da rádio, para A Ronda da Noite, à minha frente vinha uma carrinha comercial com estes dizeres, para mim inéditos: «abafa chamas incorporado». Não faço ideia exacta, apesar de o nome ser sugestivo, do que possa ser. Sei que lhe falta o hífen, abafa-chamas. De manhã, num dos noticiários da Antena 1, ouvira falar em dique fusível, também novidade para mim. Mal saímos de casa, há logo novidades.

 

[Texto 6620]