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Linguagista

«Dessossego/desassossego», e um caso estranho

Muitos esses

 

      Quando agora vi a palavra dessossego no Amor de Perdição, lembrei-me, como não podia deixar de ser, da opinião pouco abalizada de Bagão Félix sobre o vocábulo empreendorismo. Mais uma variante, pois: dessossego/desassossego. Espantoso é que tenha sobrevivido a editores, revisores e compositores — e ainda se mantenha em alguns dicionários. Apenas alguns. Não sobreviveram muitos outros aspectos. Por exemplo, no manuscrito e na 1.ª edição, revista pelo autor, está assim: «não tenho a certeza de que houvessem estradas para o Japão». Na 2.ª edição, foi substituída por «houvesse». E, neste caso, fizeram bem editores, revisores e compositores? Andamos para aqui, e não apenas eu, a ensinar que sim e a cobrir-nos de vergonha se temos de citar grandes escritores que escrevem dessa forma (nas obras de Arnaldo Gama, por exemplo, há dezenas, quando não centenas, de casos), mas veio Ivo Castro tirar-nos do nosso sossego: «Desconheço as circunstâncias exactas em que se inseriu na gramática portuguesa a ideia de que haver com o sentido de “existir, ter existência” é um verbo exclusivamente impessoal, quando pelo menos alguns escritores e muitos falantes pensam e agem de outro modo» (in «O linguista e a fixação da norma (2003)», p. 4, aqui). Para um linguista, não é nada de censurável nem especial (mas, deixem-me adivinhar, não escrevem dessa forma); para um gramático, é simplesmente inadmissível.

 

[Texto 6724]