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Linguagista

«À beira-serra»

Que mais não busco alcançar!

 

      «As meninas, de cabelos brancos, sorridentes, aguardam a entrada da professora. “Bom dia, meninas”, anuncia Conceição Teles, no início de mais uma aula de Português. Hanny, holandesa, dá uma olhadela ao caderno, revendo a matéria dada. Em São Brás de Alportel, à beira-serra do Caldeirão, cerca de 15% da população é estrangeira, a maioria ingleses reformados. A necessidade da criação de um “ponto de encontro” gerou uma nova dinâmica cultural numa terra adormecida» («Estrangeiros estão a mudar a vida cultural de São Brás de Alportel», Idálio Revez, Público, 11.04.2016, p. 13).

      De facto, se já tínhamos à beira-mar e à beira-rio — porque não à beira-serra? Não, Idálio Revez não inventou nada. Mas será meramente coincidência que fosse um poeta de São Brás de Alportel, Bernardo de Passos (1876-1930), das poucas pessoas que escreveram a expressão? «Minh’ aldeia à beira serra,/vendo lá ao longe o mar,/dá-me a paz, o esquecimento,/que mais não busco alcançar!» (in Refúgio, 1936).

 

[Texto 6741]

Chamar «autista» a alguém

A liberdade inteira

 

      Duas frases de duas telenovelas da TVI em que se usou a palavra «autista» motivaram uma queixa de Sónia Maria Exposto, presidente da Associação Portuguesa para as Perturbações do Desenvolvimento e Autismo do Douro. A Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) analisou a queixa e concluiu que não constitui ofensa usar a palavra em tais contextos — e não se concebe que pudesse concluir de forma diferente. Lê-se no Público: «Sónia Maria Exposto refere que a doença já não é designada como “autismo”, antes como “perturbação do espectro do autismo”, por englobar indivíduos “com níveis elevados de funcionalidade e inteligência que não se compadecem com aquilo que tentaram transmitir na novela”» («Chamar “autista” a alguém pode ser ofensivo para quem sofre mesmo de autismo?», Zita Moura, Público, 11.04.2016, p. 11). Se a doença já não se chama «autismo», talvez quem padeça da doença já não se chame «autista», e por isso mesmo nunca podia haver ofensa. Não é assim tão simples, hã? Está bem. Conste que se podem usar todas as palavras, mormente no âmbito da ficção. Aliás, no dia-a-dia não é muito diferente. Não vimos já que mandar prò caralho um superior hierárquico também não é ofensivo? Então? O que me parece é que estão a querer, em vão, que se aplique a torto e a direito o segundo mandamento...

 

[Texto 6740]