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Linguagista

O que se escreve nos jornais

Nem vendo acreditamos

 

      «Jerónimo acusa PSD de só querer “encasinar” a recapitalização da CGD», Público, 31.10.2016, p. 9).

      Nem vi esta enormidade, foi o meu amigo Rui Almeida que me chamou a atenção porque lera na Causa Nossa um texto de Vital Moreira sobre o disparate da Lusa, que o Público não soube resolver. Então não é encanzinar, que significa arreliar(-se); irritar(-se); zangar(-se)? Até quando vão tratar a língua com este desmazelo?

 

[Texto 7211]

Era uma vez em Núrsia

E não se fala mais nisso

 

      «Parece quase um milagre que, face à violência do abalo que acordou o Centro de Itália na manhã de ontem — o terceiro em menos de três meses —, não haja notícia de nenhuma vítima mortal. Com intensidade de 6,5 na escala de Richter, o sismo com epicentro a seis quilómetros de Núrsia foi o mais forte no país desde 1980, quando um sismo de intensidade 6,9 matou mais de 2700 pessoas» («Núrsia desespera com três sismos em menos de três meses», Pedro Crisóstomo, Público, 31.10.2016, p. 22).

      A imprensa portuguesa ainda não sabe exactamente se o epicentro foi em Núrsia, Nórcia ou Norcia. O Jornal de Notícias arrisca mais, e em parágrafos seguidos usa duas formas diferentes. Eu, como nas minhas breves deambulações religioso-teológicas tenho encontrado São Bento de Núrsia, não tenho mais argumentos. Mas pode não ser a melhor opção, pois norcino é, em italiano, o matador de porcos, salsicheiro, o que está relacionado com Norcia, «famosa tra l’altro per l’industria tradizionale della salatura e dell’insaccatura delle carni suine». Mas até em italiano nursino é variante antiga (porque directamente do latim) de norcino. Sendo assim, opto por Núrsia/Nursinos/nursino.

 

[Texto 7210]

«Startup chime»...

Ooooh!

 

      Os macmaníacos mais maníacos — que não são de certeza os que pespegam com o autocolante da maçã no Opel Corsa de 1996 tunado — estão tristes porque, com a chegada do MacBook Pro, deixa de existir o startup chime, tão rápido é o arranque. Ooooh! Eles dizem assim, startup chime, não toque ou som de arranque.

 

[Texto 7209]

Léxico: «caminho de ronda»

Experimentem

 

      «Este troço, acrescentou [o arqueólogo Rui Pinheiro], está ligado a uma outra estrutura, sua contemporânea: “Uma estrutura de tipo alambor, de terra e cal hidráulica”. Trata-se de uma rampa inclinada, criada na base da muralha, e na qual é também visível um vestígio do “caminho de ronda” ao longo do qual os militares fariam a vigia» («Funicular da Graça “compatibilizado” com a Cerca Fernandina», Inês Boaventura, Público, 31.10.2016, p. 17).

      A meu ver, até estas expressões, como caminho de ronda, deviam ser acolhidas pelos dicionários gerais, e não apenas pelas enciclopédias. Parece tão intuitivo, e, no entanto... Experimentem perguntar aí à sua volta, ao marido, à mulher, ao colega (ao patrão não), e logo concluem que, afinal, as pessoas não sabem lá muito bem. Ah, e lá temos agora alambor reduzido à sua importância, ao contrário do que vimos aqui.

 

[Texto 7208]

Léxico: «patado»

Esta não conhecem

 

      «Entre eles está “uma tampa de sepultura”, na qual é visível, como destaca o director dos trabalhos, “uma sigla do pedreiro” que a terá talhado. Ao lado está uma estela funerária “com uma cruz de Malta”, também designada por “cruz românica ou patada”» («Que histórias têm para contar os 70 esqueletos achados junto à Sé?», Inês Boaventura, Público, 31.10.2016, p. 16).

      Não, nunca são patadas contra pessoas — aqui visa-se apenas o que se diz e escreve, nada mais. Fala-se de pessoas somente para atribuir a cada um o que é seu. Falemos não de patada, mas de patado, adjectivo que só encontro no VOLP da Academia Brasileira de Letras. Há muitos tipos de cruzes, e por isso estranho a opção dos dicionaristas de só registaram quatro ou cinco. O VOLP também regista páteo (que não é o do Bairro do Avillez...) que provém do francês, língua em que se diz croix pattée.

 

[Texto 7207]

Queriam dizer «desgaste ósseo»

Olhe que não

 

      «Esse trabalho, explicita José Sendas, será coordenado por uma antropóloga, que, através das ossadas encontradas, tentará perceber que idade tinham as pessoas, o que esteve na origem da sua morte, se tinham “doenças, patologias, fracturas”. E até, diz o arqueólogo, “qual era o tipo de trabalho que tinham”, algo que será possível perceber, nalguns casos, “pelo desgaste ossário e por marcas” que venham a ser detectadas» («Que histórias têm para contar os 70 esqueletos achados junto à Sé?», Inês Boaventura, Público, 31.10.2016, p. 16).

      Então agora o adjectivo relativo a «osso» é «ossário»? Também desenterraram isso do subsolo de Lisboa? Não, não: relativo a osso, o adjectivo é ósseo.

 

[Texto 7206]