Em que se fala no Japão e de xibolete
Escrever em minúsculas já passou
«Do escritor Valter Hugo Mãe conhecia-se a decisão de escrever em minúsculas durante uma boa parte do seu percurso enquanto romancista, mas não se esperava que decidisse introduzir uma particularidade no seu mais recente livro, Homens imprudentemente poéticos: a ausência da palavra não ao longo das suas 200 páginas. É isso que acontece e que, curiosamente, tem passado despercebido. […] Como o cenário do romance é totalmente o do Japão, Valter Hugo Mãe estabeleceu esse compromisso com as personagens: “A palavra não sublinha um traço impróprio no Japão, porque difere da relação cerimoniosa que estabelecem uns com os outros. Os japoneses evitam dizer por norma não e optam por uma expressão para essa negativa que, traduzida à letra, terá o significado de ‘isso é difícil’. Por isso, várias vezes no romance as personagens respondem deste modo. O que é uma negativa educada, com que dão a entender ao interlocutor que o que lhe é pedido é impossível de fazer, mas sem o hostilizar”» («Valter Hugo Mãe recusou-se a escrever não no romance», João Céu e Silva, Diário de Notícias, 31.10.2016, p. 35).
Ah, pensei que fosse algum desafio à Perec. Assim está bem. Eu também sou muito japonês, prefiro dizer «logo se vê», «talvez», «vou tentar». Não vale a pena desanimar ninguém, não é? De qualquer maneira, a opção é boa, pois num livro em que se fala do Japão, quanto menos palavras em -ão, este xibolete da nossa língua, melhor.
[Texto 7215]