Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

«Transtemporal», uma acepção

Menos científico, na verdade

 

      O autor afirma, e bem, que o Livro do Apocalipse tem, ao mesmo tempo, um sentido temporal e um sentido transtemporal. Percebe-se perfeitamente: temporal, porque relata acontecimentos (exagerados?) coevos de João de Patmos, e transtemporal, porque revela ao leitor temeroso as desgraças vindouras, para lá do tempo, porque de todos os tempos. Interrogamos o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora e a resposta não tarda: transtemporal, «através da região ou do lobo temporal». Ora, há palavras além da medicina.

 

[Texto 7526]

«Cerca de»

Ou exactamente 5

 

      «Diariamente, há cerca de 174 ciclistas que usam a ciclovia da Duque d’Ávila» (Destak, 3.03.2017, p. 5). É extraordinário o entendimento que os jornalistas têm da língua. «Cerca de 174»! Então cerca de não significa à volta de, aproximadamente, perto de, mais ou menos? Quando se usa esta locução adverbial, não esperamos ver o número preciso, mas uma aproximação. Neste caso, dir-se-ia, com mais propriedade, «cerca de 180» ou «mais de 170».

    Rosa Félix, investigadora do Instituto Superior Técnico (IST), pôs uma câmara para contar o número de ciclistas que utilizam as ciclovias da Avenida da República e da Avenida Duque d’Ávila, entre as 8h30 e as 10h30, no dia 22 de Fevereiro, e publicou o filme no YouTube. Ora, em Dezembro passado, e durante cinco dias, a concelhia de Lisboa do PSD já filmara todas as ciclovias da capital: «O número apurado fala por si: 5 bicicletas!» Falha aqui qualquer coisa — eu diria que é a honestidade do PSD, mas também pode ser a bateria das câmaras de filmar.

 

[Texto 7525]

«Monstro», uma acepção

Uma acepção lixada

 

      «O trabalho dura 364 dias (um ano) e a fundamentação para a necessidade do ajuste directo foi “falta de recursos próprios”. Na falta de apanha-monstros próprios, a Junta da Encosta do Sol terá seis tarefeiros “fornecidos” pela empresa ScorDesp para levarem a cabo a tarefa. A pergunta que se impõe é: o que são estes “monstros”, que custam 30 euros por pessoa/dia para apanhar? O contrato não dá resposta. Serão monos?...» («Mão-de-obra para recolha de “monstros”», S. S., Público, 4.03.2017, p. 8).

   É o jornalista a armar-se em engraçado (e a falhar no intento). A verdade é que, se consultarmos alguns dicionários, e entre os quais o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, nem sequer o verbete mono tem esta específica acepção. Neste dicionário, o que se diz de mono é que se trata do «objecto sem valor a que não se sabe o que fazer», mas os monstros, palavra que os autarcas gostam muito de usar (mas têm desculpa, pois também são eles que resolvem o problema), são muito mais do que isso.

 

[Texto 7524]