Tradução: «mesarse»
Nada obscuro
«Pero viendo yo que lleuaua termino de no acabar tan presto, di priessa a ponelle en tierra, y desde alli, a bozes, prosiguio en sus maldiciones y lamentos, rogando a Mahoma rogasse a Ala que nos destruyesse, confundiesse y acabasse; y quando, por auernos hecho a la vela, no podimos oyr sus palabras, vimos sus obras, que eran arrancarse las barbas, messarse los cabellos y arrastrarse por el suelo; mas vna vez esforço la voz de tal manera, que podimos entender que dezia: “¡Buelue, amada hija, buelue a tierra, que todo te lo perdono; entrega a essos hombres esse dinero que ya es suyo, y buelue a consolar a este triste padre tuyo que en esta desierta arena dexará la vida, si tu le dexas!”» (Don Quijote de la Mancha, Miguel de Cervantes, I, 41).
Miguel Serras Pereira (Dom Quixote de la Mancha. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2.ª ed., 2015, p. 392) traduz por «arrancar-se as barbas, arrepelar-se os cabelos», e não pode ser muito diferente, mas, falo por mim, quando ouço ou leio a palavra «arrepelar», não penso logo em arrancar, mas mais, em primeiro lugar, em puxar, embora, reconheço, «arrepelar» também signifique arrancar. E, claro, «arrancar» já estava antes, em relação às barbas. Pois, não temos mesar-se, como os nossos vizinhos têm mesarse (antes, messarse). Mas temos messar, que significa tirar a cortiça de. Na parte etimológica deste verbete, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora remete para messa, «época do ano em que se extrai a cortiça; 2. tiragem da cortiça; 3. parte da cortiça de um sobreiro tirada num ano». A este, di-lo «de origem obscura». Nunca nada foi de origem tão pouco obscura: o nosso messar como o mesarse castelhano são a voz latina messum metere, colher, segar. «Ille metit barbam, crinem hic deponit amati» (Juvenal, Sat. 3). Vem do latim vulgar messāre, derivado de metĕre, segar, cercear. Menos um mistério.
[Texto 7560]