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Linguagista

Tradução: «péndola»

E agora que faz falta?...

 

      «–Eso me parece –respondió el galeote– como quien tiene dineros en mitad del golfo y se está muriendo de hambre, sin tener adonde comprar lo que ha menester. Dígolo porque si a su tiempo tuviera yo esos veinte ducados que vuestra merced ahora me ofrece, hubiera untado con ellos la péndola del escribano y avivado el ingenio del procurador, de manera que hoy me viera en mitad de la plaza de Zocodover de Toledo, y no en este camino, atraillado como galgo; pero Dios es grande: paciencia, y basta» (Don Quijote de la Mancha, Miguel de Cervantes, I, 22).

      É a pena de escrever, de pennula ou pinnula. Outra que já esteve nos nossos dicionários — pêndola —, mas que alguém decidiu desalojar, pois não pagava renda. No entanto, o VOLP da Academia Brasileira de Letras continua a registá-la.

 

[Texto 7567]

Tradução: «leonero»

Só leoneiras

 

      «–¿Leoncitos a mí? ¿A mí leoncitos, y a tales horas? Pues, ¡por Dios que han de ver esos señores que acá los envían si soy yo hombre que se espanta de leones! Apeaos, buen hombre, y, pues sois el leonero, abrid esas jaulas y echadme esas bestias fuera, que en mitad desta campaña les daré a conocer quién es don Quijote de la Mancha, a despecho y pesar de los encantadores que a mí los envían» (Don Quijote de la Mancha, Miguel de Cervantes, II, 17).

      Pois é isso mesmo — a pessoa que cuida dos leões que estão na leoneira. Viram? Temos leoneira, a jaula para leões, mas os dicionários actuais já não registam leoneiro, desencaminhou-se na voragem dos tempos. Os tradutores ficam a tremer e incapazes de usar a palavra, e acabam por verter por «guarda» ou «guardador de leões». Tenho de procurar ensejo de a usar.

 

[Texto 7566]

Tradução: «legaña»

Substância amarelada, etc.

 

    «Denme a mí que Quiteria quiera de buen corazón y de buena voluntad a Basilio, que yo le daré a él un saco de buena ventura: que el amor mira con unos anteojos que hacen parecer oro al cobre, a la pobreza riqueza, a las legañas, perlas» (Don Quijote de la Mancha, Miguel de Cervantes, II, 19).

    É verdade, legaña (ou lagaña) não oferece nenhuma dificuldade de tradução, mas continuem a ler. Uns verte-la-ão por remela, outros, com um pendor mais popular, por ramela, porque outra coisa não é. Não que eu, neste caso, o sugira, mas também temos o vocábulo, que é um regionalismo, com o mesmo significado — laganha. Já sabem de onde vem. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora di-lo proveniente do castelhano lagaña. Não é bem assim: chegou-nos pelo castelhano, mas o étimo é, segundo alguns estudiosos, o vocábulo eusquera lakaiña, com o mesmo significado.

 

[Texto 7565]

Léxico: «escolasticado»

Falta o terceiro

 

     E pronto, depois de registar postulantado e aspirantado, creio que ao Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora só falta um vocábulo que habitualmente leio a par daqueles: escolasticado. Dos três, o VOLP da Academia Brasileira de Letras apenas não regista «aspirantado». Agora, vai perder.

     «Em 1 de Outubro de 1920 era fundado o escolasticado de humanidades na Rua Visconde de Pindela, no edifício que fora Colégio de S. Tomás» (História e Missiologia: Inéditos e Esparsos, António Duarte Brásio. Luanda: Instituto de Investigação Científica de Angola, 1973, p. 871).

 

[Texto 7564]

Direitos de autor

Vá-se lá saber para quê

 

      Já me esquecia de comentar o aviso que o jornal Público passou ontem a ostentar no cimo de cada página: «Os direitos de propriedade intelectual de todos os conteúdos do Público – Comunicação Social S.A. são pertença do Público. Os conteúdos disponibilizados ao Utilizador assinante não poderão ser copiados, alterados ou distribuídos salvo com autorização expressa do Público – Comunicação Social, S.A.» Bem, não sabemos qual o motivo que os levou, passados todos estes anos, a fazerem este aviso. Espero, no entanto, que saibam que para a inserção de citações ou resumos não há necessidade de consentimento do autor, se for feito com fins de crítica, discussão ou ensino. Ou seja, no que a mim me diz respeito, vai tudo ficar exactamente como já era.

 

[Texto 7563]

Tradução: «hideperro»

Inventemos

 

      «–Yo apostaré –replicó Sancho– que ha mezclado el hideperro berzas con capachos» (Don Quijote de la Mancha, Miguel de Cervantes, II, 3).

    Miguel Serras Pereira (Dom Quixote de la Mancha. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2.ª ed., 2015, p. 504) traduz por «filho de cão», mas eu pergunto a mim mesmo se o tradutor está proibido de ser criativo. Literalmente, é isso mesmo, «filho de cão». Vejamos, porém. Não temos nós fideputa (hideputa, eles), fidalgo (hidalgo, eles), entre outras? Então, se não temos, inventamos «fidecão». Sancho refere-se desta maneira a Cide Hamete Benengeli por ser mouro, e os mouros, com os judeus, eram tratados — também em Portugal — por perros.

 

[Texto 7562]

Tradução: «oliscar»

Um cheirinho das dificuldades

 

      «“Así es la verdad, señor”, respondió una de las doce; “que no tenemos hacienda para mondarnos, y, así, hemos tomado algunas de nosotras por remedio ahorrativo de usar de unos pegotes o parches pegajosos, y, aplicándolos a los rostros y tirando de golpe, quedamos rasas y lisas como fondo de mortero de piedra; que puesto que hay en Candaya mujeres que andan de casa en casa a quitar el vello y a pulir las cejas y hacer otros menjurjes tocantes a mujeres, nosotras las dueñas de mi señora por jamás quisimos admitirlas, porque las más oliscan a terceras, habiendo dejado de ser primas. Y si por el señor don Quijote no somos remediadas, con barbas nos llevarán a la sepultura” (Don Quijote de la Mancha, Miguel de Cervantes, II, 40).

      Miguel Serras Pereira (Dom Quixote de la Mancha. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2.ª ed., 2015, p. 711) traduz por «porque as mais farejam terceiras». Oliscar, que nem sequer encontramos no Dicionário de Espanhol-Português da Porto Editora, significa cheirar alguma coisa com cuidado e persistência. Talvez se possa traduzir simplesmente por «cheirar», embora o mais próximo em sentido seja «cheiricar». Ou nada, como na tradução de Castilho, Azevedo e Pinheiro Chagas, se optarmos por traduzir de outra forma, mas o que a minha experiência me diz é que quanto mais o tradutor do castelhano se afasta da letra, maior é a traição ao original. Sempre com a costa à vista, mas evitando os falsos amigos. Terceras, ao que tudo indica, pode traduzir-se por... «terceiras», desde que o leitor saiba que a palavra é usada no sentido, que também tem em português, de alcoviteiras. Mas, como há simultaneamente um jogo de palavras entre prima (primeira) e tercera (terceira), não se pode fugir muito disto.

 

[Texto 7561]