Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

Léxico: «esquizoafectivo»

Um contributo

 

      «No acórdão, lido esta terça-feira, o colectivo de juízes considerou a idosa inimputável para os factos de que era acusada, porque sofria à data do crime, em maio de 2016, no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Ourique, no distrito de Beja, e sofre de psicose crónica (esquizofrenia ou perturbação esquizoafetiva)» («Idosa que matou outra à bengalada em lar considerada “inimputável”», Rádio Renascença, 21.03.2017, 10h18).

      Sem palavras, não há ciência. Se continuar fora dos dicionários, não nos podemos admirar que se use, em vez de esquizoafectivo, schizoaffective. Já vimos disparates mais absurdos.

 

[Texto 7597]

Léxico: «televangelista»

Usado há décadas

 

      «Para além [sic] de Edir Macedo, um controverso televangelista, fundador da igreja em 1977, estão também incluídos a directora financeira da IURD, Alba Maria Silva da Costa, o ex-deputado federal João Batista Ramos da Silva e o bispo evangélico Paulo Roberto Gomes da Conceição» («Líder da IURD enfrenta a justiça no Brasil», Público, 14.09.2011, p. 18).

      Está na hora de ir para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, que também não regista televangelismo.

 

[Texto 7596]

Cláusula Molière

A língua dos andaimes

 

      Em algumas regiões e municípios franceses, entrou agora em vigor a cláusula Molière, uma medida que impõe a utilização da língua francesa nos estaleiros de obras públicas ou a contratação de um tradutor, o que é apresentado como uma medida de segurança. Pela sua hipocrisia, veio dizer o primeiro-ministro francês, devia antes chamar-se cláusula Tartufo, mas é o máximo que pode fazer, pois o Governo não pode impedir a aplicação de normas regionais, a não ser que sejam declaradas inconstitucionais. Veremos o que faz a União Europeia. Seja como for, todos estão de acordo em que os trabalhadores têm, pelo menos, de entender termos técnicos em uso neste sector. E entendê-los-ão?

 

[Texto 7594]

Nem o latim escapa

Lorem ipsum

 

      Imagino o Tio Aires lá na Aldeia de Mato quando leu com toda a atenção a sua secção preferida no Público e, na legenda à imagem do artigo sobre o jogo FC Porto-V. Setúbal, deparou com isto: «Legenda Em delit am, conullum zzril illa aut alis nit adigna corting eriustrud» («Sem décima, sem liderança e sem sombra de Soares», Augusto Bernardino, Público, 20.03.2017, p. 38). Caramba, até este latim de encher, por acaso ciceroniano, Lorem ipsum dolor sit amet..., foi desvirtuado. Podia ser, sei lá, «asinus asinum fricat asinus asinum fricat asinus asinum fricat...», mas não. Confesso: o Tio Aires não lê o Público, mas sim o Correio da Manhã, que às 8 da noite, numa rotina à prova de bomba, já está a forrar a casota da Frisquette, a pêlo de arame que veio do frio (da Suíça).

 

[Texto 7593]

«Fulano», um terrível insulto

Acabou-se a descrispação

 

      Um grupo de quase mil, certamente respeitáveis, fulanos cidadãos não quer que o futuro aeroporto complementar de Lisboa, previsto para o Montijo, tenha o nome de Mário Soares. O documento, com mais de 9500 assinaturas, deu entrada na Assembleia da República e tem um número suficiente de assinaturas para ser discutido em plenário. «Haja respeito», termina a petição, «por mais de um milhão de portugueses que foram mais que prejudicados por esse fulano.» Claro que palavra tão complexa exigia necessariamente uma nota, que fizeram com recurso a uma simples remissão para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Felizmente não é uma palavra polissémica, ou andaríamos aqui às apalpadelas. Mas atentemos nas acepções: «1. pessoa cujo nome não se conhece ou não se quer mencionar; 2. coloquial indivíduo; sujeito». Não se trata certamente da primeira acepção, pois o nome de Mário Soares aparece várias vezes no texto da petição. Assim, se ainda há lógica, é a segunda, terrível, acepção: o Dr. Mário Soares um indívíduo, um sujeito. Terrível insulto!

 

[Texto 7592]

Tradução: «détonateur»

Para mim, é nova

 

      «Fonte ligada à investigação da polícia em Paris, onde está localizado o FMI, disse que o correio consistia em dois tubos de pó preto e um disparador elétrico improvisado» («Polícia grega apanha cartas bomba», Lusa/TSF, 20.03.2017, 20h55).

      Disparador? Na imprensa francesa, lê-se que «l’engin consistait en deux tubes contenant de la poudre noire avec un détonateur artisanal». Pode traduzir-se détonateur por «disparador»?

 

[Texto 7591]

Matusalém e Sísifo

Umas bíblicas, outras não

 

      Estava aqui a ler sobre Matusalém, essa figura bíblica que, como outros patriarcas, era proposto como modelo de identificação religiosa para glorificar a idade e a longevidade e lembrei-me de ter lido no blogue Ouriquense que Miguel Sousa Tavares afirmou na SIC que o mito de Sísifo é uma história bíblica. O Eremita conta-o com mais graça: «Foi preciso Sousa Tavares dizer que o mito de Sísifo é uma história bíblica para voltar a sentir algum sangue nas guelras. Raios, Miguel, então a tua mãe, que amava a Grécia, não te explicou o mito de Sísifo, meu filistino diletante de telegenia perdida? A operação Marquês começa a erodir os pilares da nossa civilização» (para ler tudo, aqui).

 

[Texto 7590]

Dupla negativa, de novo

Não vá o sapateiro, etc.

 

      «– Não, não lhe disse coisa nenhuma; foi ele que mas pediu... Afliges-te, filha?... Isto dispara em nada, Beatriz!» (O Esqueleto, Camilo Castelo Branco, 1865).

     Podia – podíamos todos – exemplificar até à exaustão com milhares e milhares de frases, literárias e do dia-a-dia. Para os sapateiros que povoam o Facebook e queiram ir além da chinela, saibam que é a chamada dupla negativa, que faz parte do ADN da língua portuguesa e dantes se aprendia na escola primária. Se isto produzir muitas interferências nas sinapses, podem substituir o pronome indefinido; em vez de «nenhum», «algum». É ignorância, e ignorância grave, que um falante da língua portuguesa não saiba isto. Faz lembrar – são disparates do mesmo jaez – a recomendação de usar «pelo visto» em vez de «pelos vistos». Tudo encontrado em livros antigos herdados e mal digeridos. Portanto, já sabem: «Quando perdes tudo, não tens pressa de ir a lado nenhum.»

 

[Texto 7589]

Léxico: «helicanhão»

Tiro na água

 

    «Os restos do carro do agente da Força 17 de Arafat, Massoud Ayyad, destruído por um helicanhão israelita» («Exército israelita mata guarda-costas de Arafat», Graham Usher, Público, 14.02.2001, p. 16).

   Viram bem, sim senhor: é um excerto de um artigo de 2001. No entanto, ainda ontem ouvi a palavra na rádio, que está bem representada na literatura, e, naturalmente, nas muitas obras que têm a Guerra Colonial como cenário. Por isso, mais estranha é a sua ausência dos dicionários.

 

[Texto 7588]

Tradução: «grand-maternité»

É escusado

 

      Nem sequer está nos dicionários bilingues, mas o tradutor quis seguir uma via que não me parece auspiciosa: «grã-parentalidade». Que, valha a verdade, está mais colado ao termo inglês grandparenthood. Tem de se dar a volta à frase em que é usado e, em vez de uma palavra, temos de ter várias. Inventar por inventar, e não ficava a dever nada a ninguém, escrevia «avozidade». Mas não é necessário.

 

[Texto 7587]

Léxico: «fluviário»

Um cantinho para ele

 

      «Inaugurado a 21 de março de 2007, o Fluviário de Mora, no distrito de Évora, foi pioneiro e é considerado o maior aquário de água doce da Europa, segundo a autarquia» («Fluviário de Mora cumpre 10 anos e é “aposta ganha”», Lusa/TSF, 20.03.2017, 17h22).

      A dúvida é: devem estes termos estar dicionarizados? A meu ver, devem. E o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora devia registá-lo, pois acolhe oceanário, orquidário e reptilário, e talvez outras de que não me lembro agora.

 

[Texto 7586]

Léxico: «(des)emparelhar»

É impressionante

 

      De vez em quando, como agora, o meu Garmin Vivoactive fica desemparelhado do telemóvel. E não é fácil voltar a emparelhá-lo. Cá estão duas acepções de dois verbos diariamente usadas, e que os dicionários não registam. Estranhamente, diga-se. Logo numa área, como a das modernas tecnologias, em que o inglês impera, e não se aproveita para caucionar o uso de verbos da nossa língua.

 

[Texto 7585]