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Linguagista

Léxico: «patanisca»

Bom apetite

 

      « [o gastrónomo Virgílio Gomes] conta que procurou a origem da palavra “patanisca” mas sem sucesso. Encontrou, contudo, duas definições importantes: “No Dicionário Houaiss podemos ler “lasca de bacalhau, coberta com farinha de trigo e frita”. Já o Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea vai mais longe e encontramos “pastel frito com um polme preparado geralmente com ovos, farinha, cebola e salsa... a que se junta bacalhau”» («A melhor patanisca de Lisboa está na Casa do Bacalhau», Alexandra Prado Coelho, Público, 4.04.2017, p. 16).

    Vejamos a receita do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: «isca de bacalhau envolta em farinha e depois frita». Tão inapetitosa como na receita do velho Houaiss, que de pataniscas não percebia nada. Bem, já não vão a tempo de participar no concurso A Melhor Patanisca de Lisboa, mas fica o verbete corrigido. Na minha receita, leva farinha, leite, cerveja, ovos e salsa. Acompanha arroz de tomate ou, se temos pressa ou é mero petisco, é comida no pão.

 

[Texto 7674]

Léxico: «microgravidade»

A 6,37 milhões de quilómetros

 

     «Em França, o Instituto para a Medicina e Fisiologia no Espaço quer estudar a microgravidade e está à procura de homens que estejam dispostos a ficar dois meses numa cama deitados. O tempo todo» («Oferta de emprego de sonho? 16 mil euros para passar dois meses numa cama», Rádio Renascença, 4.04.2017, 18h07).

      Uma imperdível oferta de emprego. Entretanto, podemos ter outro problema: segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, microgravidade é a «ausência quase total de gravidade, que se verifica fundamentalmente no espaço». Do que li, concluo que tal ocorre em duas circunstâncias: na Terra, em diversas experiências de microgravidade simulada em torres de queda livre, e, no espaço, a bordo de naves e estações espaciais e em voos parabólicos. Portanto, no espaço, sim, mas a bordo de naves. Percebi bem? Mas não é só isso: «ausência quase total de gravidade» pode igualmente induzir em erro. Como o próprio prefixo micro- indica, trata-se de um valor pequeno, e nunca nulo ou próximo disso, pois para que a atracção gravitacional fosse reduzida a um milionésimo da atracção gravitacional na superfície terrestre seria necessário estar-se aproximadamente a 6,37 milhões de quilómetros da Terra. (E dava jeito ter o adjectivo microgravitacional dicionarizado.)

 

[Texto 7673]

Léxico: «paiol»

Não pode ser

 

      «O rebentamento registou-se num paiol e causou muita destruição no local. Está no local um meio aéreo do INEM para socorrer as vítimas, disse à Renascença Luís Oliveira, adjunto dos bombeiros de Lamego, mas as probabilidades de encontrar pessoas com vida é cada vez menor, segundo fontes no local» («Lamego: Pelo menos três mortos, provavelmente sete, em explosão de pirotecnia», Rádio Renascença, 4.04.2017, 18h21).

    Paiol, muito bem. Não encaixa é em nenhuma das acepções do verbete do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: «1. parte do navio onde se guardam as munições; 2. MILITAR construção onde se guardam explosivos e munições; 3. depósito de provisões alimentares ou bagagens». O remédio está à vista.

 

[Texto 7672]

Léxico: «oroanal»

Nem montanha nem altura

 

      «Quanto aos grupos a vacinar, irão ficar de novo definidos na nova norma da DGS, mas incluem contactos íntimos e familiares de pessoas que estejam comprovadamente doentes, homens que fazem sexo com homens com práticas anais e oro-anais e viajantes para países de Ásia, África, América Central e do Sul» («Surto de hepatite A está longe de ser controlado, diz director-geral da Saúde», Rádio Renascença, 4.04.2017, 17h24).

      Pois é verdade: o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora esqueceu-se deste elemento de formação, de origem latina. Regista oro-, sim, mas é o que exprime a ideia de montanha, altura, de origem grega. Está bem, encontramo-lo — or(i, o)- — no Dicionário de Termos Médicos. Claro que deve constar em ambos os dicionários. A lógica mandava então que encontrássemos oroanal neste dicionário, mas não está em nenhum dos dois. Vamos encontrá-lo, e com a grafia oroanal, no VOLP da Academia Brasileira de Letras. Na dicionarização, cuidado: como se lê nos Oxford Dictionaries, oroanal ou oro-anal é o que está «connecting or extending between the mouth and anus; involving the mouth and anus».

 

[Texto 7671]

«Lefebvriano», de novo

Sim, de novo

 

      «No que parece ser mais um passo rumo à normalização das relações com os tradicionalistas da Fraternidade Sacerdotal de São Pio X (FSSPX), o Vaticano publicou esta terça-feira um documento em que elabora normas para que sejam reconhecidos oficialmente os casamentos celebrados por padres dessa organização, que ainda não se encontra em comunhão plena com Roma. […] Num apontamento importante, o documento refere a situação canonicamente irregular da fraternidade mas acrescenta a expressão “por enquanto”, reforçando a ideia, que tem sido veiculada recentemente por fontes ligadas às negociações, que um acordo entre Roma e a FSSPX está iminente. Esse acordo poderá passar por atribuir à fraternidade o estatuto de prelatura pessoal, de que actualmente apenas goza a Opus Dei. Esta estrutura dará à fraternidade uma certa autonomia para agir e manter as suas tradições, estando em simultâneo em comunhão plena com o Papa» («Roma reconhece licitude dos casamentos “lefebvrianos”», Filipe d’Avillez, Rádio Renascença, 4.04.2017, 14h05).

      Desajudado dos dicionários, o jornalista Filipe d’Avillez pensa que tem de usar aspas no adjectivo, ou um raio cósmico, numa vindicta celeste, vai fender-lhe o crânio. Não vai. Vá, agora e para sempre sem aspas.

 

[Texto 7670]

Léxico: «tetravalente»

Fale com o seu médico

 

     «A Direcção-Geral de Saúde (DGS) confirma que a vacina Tetravalente está em falta em alguns centros de saúde no Algarve, mas vai ser reposta em breve. Até lá, há alternativas. […] À Renascença, a DGS revela que esta vacina que [sic] pode ser substituída pela Pentavalente – uma união da vacina Tetravalente com a vacina da Hepatite B» («DGS. Vacina Tetravalente vai ser reposta em breve», Rádio Renascença, 4.04.2017, 9h22).

    Onde se prova que a definição de tetravalente no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora está incompleta: «QUÍMICA (espécie química) de que podem partir quatro ligações químicas; quadrivalente». A vacina tetravalente é contra quatro doenças, pois claro: difteria, tétano, tosse convulsa (pertússis) e Haemophilus influenzae (a DTP-Hib) ou contra a difteria, tétano, tosse convulsa e poliomielite (a DTP-VIP). E mais não sei.

 

[Texto 7669]

Tradução: «vivement»

É mais do que isso

 

      Quando ainda trabalhava, não passava o tempo, assegura ela, como outros colegas, a dizer a si mesma: «Vivement la retraite!» Coitada, há gente assim. Não conhece a origem comum de trabalho e tripálio (que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora agora já regista), nem nunca leu aquela observação de Nietzsche. Bem, mas a nossa preocupação agora é outra: aquele vivement. O Dicionário de Francês-Português da Porto Editora diz-nos que é um advérbio e se traduz por «vivamente». Naquela frase, porém, não é advérbio, mas interjeição (o que não é consensual, é verdade), e não se traduz daquela forma. Por outras palavras, o verbete daquele dicionário está a precisar de uns retoques.

 

[Texto 7668]