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Linguagista

Léxico: «domo»

Enfim, tradições

 

      «Mal chegou ao Duomo, o Papa quis rezar junto ao altar “invernal” da cripta (na foto) e ao sepulcro de São Carlos Borromeu, na capela chamada “scurolo”» («Primeiro encoraja os religiosos, depois reza na praça», Enrico Casarini, O Meu Papa, ed. n.º 1, 31.03.2017, p. 10).

      É curioso que a Catedral de Milão seja assim conhecida. Nem sei se não é caso único. Ora duomo é, em italiano, «catedral». Em português, temos uma palavra cujo étimo é este vocábulo italiano, que é domo, com uma acepção do âmbito da arquitectura (parte externa de cúpula, zimbório) e outra do âmbito da geologia (dobra anticlinal com aquela forma). Já scurolo, do lombardo (acepção que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não acolhe), que habitualmente não aparece traduzido, significa «cripta subterrânea numa igreja». Ora, a nossa palavra cripta tem também este significado. Enfim, tradições.

 

[Texto 7686]

Léxico: «sagrado»

Mais curto e claro

 

     «O primeiro encontro de Francisco [em Milão], contudo, é com os bispos lombardos, que o saúdam no sagrado» («Primeiro encoraja os religiosos, depois reza na praça», Enrico Casarini, O Meu Papa, ed. n.º 1, 31.03.2017, p. 10).

    É sem surpresa que a encontramos cada vez menos nas nossas sociedades descristianizadas. Está, porém, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, mas a definição precisa de um retoque: «terreno benzido de adro ou cemitério». Dizer-se simplesmente «adro» não chega, pois adros há muitos, e nem todos são de igreja. Tem, por isso, de ser adro de igreja. E não tem de se dizer que é o terreno benzido, pois por definição o adro de uma igreja é um local sagrado. Quanto a cemitério, não tem esta palavra como sinónimo campo-santo?

 

[Texto 7685]

Léxico: «anilhagem»

Como calha

 

      «Vai haver anilhagem de pássaros, passeios pela Ria, arte urbana, subidas em balões de ar quente e é uma iniciativa no âmbito do BioRia, da câmara de Estarreja» («ObservaRia: de binóculos, atentos aos pássaros, mas também aos mosquitos», Rui Tukayana, TSF, 6.04.2017, 18h29).

    É anilhagem de aves (como também se lê no programa, aqui), mas para o jornalista é tudo igual. Da troca de maiúsculas por minúsculas, e vice-versa, é melhor nem falar. Anilhagem, palavra que ouço há décadas, não está no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora.

 

[Texto 7684]

«À discrição»

Cá em baixo vê-se no dicionário

 

      «Ao lanche, há [na Casa das Penhas Douradas, Manteigas] bolo à fatia, café, chá e licores, tudo à descrição» («Lá de cima vê-se o mundo», Sara Belo Luís, Visão, 16.02.2017, p. 124).

      Alguns queriam que eu andasse sempre a dizer o mesmo, mas não pode ser, não é? Já me repito demasiado. Nem me podem amarrar a compromissos, nem fazer exigências, devem saber. Quando me apetece, muito bem. Como agora. Então, Sara Belo Luís, a expressão não é à discrição, isto é, à vontade, sem restrições? Tenho a certeza de que algum amigo seu passará por aqui e lhe irá dizer. Se for mesmo amigo.

 

[Texto 7683]

Léxico: «capa de asperges», «pardo»

Da falta de cuidado

 

      «Palmira Falcão, artesã de Sendim, Miranda do Douro, há muito que se dedica à elaboração dos trajes tradicionais confeccionados em pardo, burel e linho, assentes na cultura tradicional do Planalto Mirandês, território que abrange os concelhos de Miranda do Douro, Mogadouro e Vimioso, no distrito Bragança. […] Segundo o investigador António Rodrigues Mourinho, a capa de honras mirandesa tem origem na região espanhola de Leão e “remontará aos séculos IX ou X, tendo origem na ‘capa de chiba’ que, traduzido do espanhol para português, quer dizer ‘capa de cabra’”. […] Há também quem defenda que a capa de honras mirandesa poderá ter surgido da capa pluvial de Arperjes, usada nos mosteiros das Terras de Leão (Espanha). […] A capa de honras é uma peça com grande valor etnográfico. Implica um trabalho minucioso por parte do artesão, devido à sua grande complexidade, e é confeccionada com lã de ovelha, depois de fiada, urdida, tecida e pisoada (burel)» («“O homem sempre a usou e a mulher sempre a quis usar”. O que é?», Olímpia Mairos, Rádio Renascença, 6.04.2017, 15h48).

      Será mesmo «capa de chiba»? Não sei; eu só encontro capa de chivo. E a «capa pluvial de Arperjes»? Capa pluvial não escapará a nenhum leitor. Mas Asperjes? O leitor vai pensar que se trata de uma localidade de Leão. Trapalhada, confusão, ignorância. Trata-se da capa de asperges, também chamada simplesmente pluvial, de uso litúrgico. Para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, é a «capa que o sacerdote veste para fazer esta aspersão; pluvial». Morno. Vá, quente. A capa de asperges ou pluvial é o paramento litúrgico usado pelo bispo ou sacerdote em acções litúrgicas solenes, fora da missa: sacramentos, bênçãos, exéquias, procissões, etc. De pardo, aquele dicionário diz-nos que é um regionalismo para burel de cor parda. É. Era o nome que o burel tinha em terras de além-Tua.

 

[Texto 7682]

Léxico: «carnidense»

Assim se vê a força do PC?

 

      Os naturais ou moradores de Carnide (que os jornalistas da TSF dizem que é na freguesia de Benfica...), em Lisboa, são os... são os...? Bem, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não o diz. «As máquinas foram ligadas na sexta-feira e, esta quarta à noite, cerca de 200 carnidenses juntaram-se e trataram de as remover. Garantem que não houve vandalismo. E que vão devolver tudo à EMEL» («Moradores de Carnide arrancam parquímetros durante a noite», Lusa/Tânia Pereirinha, Observador, 6.04.2017, 8h33).

 

[Texto 7681]

Devorava dicionários

De fugir

 

      «A biógrafa [Maria Antónia Oliveira] de Alexandre O’Neill contou, na Manhã TSF, que o poeta colecionava palavras, devorava dicionários, e fazia listas» («Tudo girava à volta das palavras, no mundo de O’Neill», Nuno Domingues, TSF, 6.04.2017, 10h36).

      Alexandre O’Neill ia compreender a minha presente monomania. Mas alguém o tem de fazer, não é assim? Os mais judiciosos chamam-lhe serviço público, e eu não digo que não. Com a Internet cheia de trolls, que escrevem, ainda por cima, num idiolecto louco, não vai havendo onde repousar os olhos.

 

[Texto 7680]