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Linguagista

Léxico: «pistola de atordoamento»

Aguardemos

 

      «O chefe da polícia de Nova Iorque, William Morris, confirma que não foram disparados tiros e que o som ouvido foi de uma pistola de atordoamento utilizada pela polícia do metro» («Situação de pânico faz 16 feridos no metro de Nova Iorque», Rádio Renascença, 15.04.2017, 19h30).

   Pensava que as pistolas de atordoamento eram apenas para os bovinos, mas parece que não — se estiver bem traduzido. Na CNN, lê-se: «No shots were fired, and the sound was of police using a stun gun on someone, NYPD Chief William Morris said.» Não há muito, numa tradução, vi que verteram captive bolt gun por «pistola de atordoamento», e era precisamente para atordoar (claro que stun é «atordar», bem sei) bovinos. Pode ser que alguém saiba mais.

 

[Texto 7726]

«Bojarda», de novo

Com que então ironia...

 

      Sobre bojarda ainda há mais para dizer. Assim, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, lê-se que o substantivo bojarda é a «variedade de pêra sumarenta e doce». Ora, o que regista Fr. Domingos Vieira no seu dicionário é que o adjectivo bojarda significa «que engana», acrescentando o exemplo da «pêra bojarda», «espécie de pêra que tem má aparência e bom sabor». Não é, contudo, o único problema deste verbete: falta ainda um sentido coloquial, ausência que explica, em parte, o erro que aqui vimos ontem de, a uma bomba, se dar o nome de «bujarda»... (Mas veio agora uma inventada maria-vai-com-as-outras sancionar o seu uso irónico...) Pergunto a mim mesmo que leitor inepto lia, naquele ou noutro dicionário, que uma das acepções é «pontapé violento» e não deduzia que também significa tirázio, bomba. Claro que já sabemos a resposta. Quanto ao étimo desta acepção, talvez seja italiano, como se diz, mas tenho dúvidas. Curiosa é a pista que nos deixa Joana Lopes Alves na obra A Linguagem dos Pescadores da Ericeira, quando afirma que bojarda é, ali, «forma de jogar o pião, atirando com força» (p. 201).

      Agora o que mais interessa: «Quando, por fim, conseguiu fazer a travessia para a Normandia (no Dia D mais 6 e com autorização do rei) pediu que o navio em que seguia “atirasse uma bojarda” aos alemães» (O Factor Churchill, Boris Johnson. Tradução de José Mendonça da Cruz. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2015, p. 223). «— O nosso alferes devia ter levado uma bojarda. Então a disparar contra nós?! Se alguém lerpasse, não lhe queria estar na pele...» (A Primeira Coluna de Napainor, António S. Viana. Lisboa: Editorial Caminho, 1994, p. 91). «— Trezentos!?... — explodia o Dr. Faustino, como a responder a uma bojarda inimiga. — Você está doido ou quê? É que nem cem lá estão!...» (O Senhor Comendador: retratos de um Portugal de Abril, Cândido Ferreira. Lisboa: Padrões Culturais Editora, 2006, p. 116). «Depois foi caos: com bojardas de lança rocketes e de armas automáticas, os gajos lançaram-se num violentíssimo assalto, tentando apreender as armas deixadas pelos mortos e pelos muitos feridos, o que parece não terem conseguido» (Gostaria de Morrer Naquela Noite, Fernando Chiotte. Sintra: Zéfiro, 2005, p. 68). «Efectua-se o reagrupamento do pessoal e fazem-se os preparativos para o início da operação, enquanto a artilharia descarrega mais umas bojardas» (Dembos: a floresta do medo; Angola, 1969 a 1971, Carlos Augusto Rodrigues Ganhão. Lisboa: Terramar, 2007, p. 148). «Já não chegou ter de ir a pé por toda a zona das “sete curvas”, onde o inimigo gosta de presentear o pessoal com umas bojardas, e temos mais esta!» (O Despertar dos Combatentes: fotos com estórias em Angola, Joaquim Coelho. Lisboa: Clássica Editora, 2005, p. 275). «Vi uma bojarda esgalhar o imbondeiro do largo das viaturas» (O Que agora Me Inquieta, Carlos Coutinho. Lisboa: Livros Horizonte, 1985, p. 11). «Foi novamente dado o alarme e os dos morteiros e dos obuses, já reabastecidos, mandaram mais algumas bojardas para a mata» (Heróis do Capim, José Leon Machado. Edições Vercial, 2016). «Com tudo pronto e esclarecido, aí vamos nós, com a artilharia já a largar bojardas para os objectivos, não se percebendo bem para quê, a não ser que seja para avisar ou espantar a caça» (A Pátria ou a Vida, [Diamantino] Gertrudes da Silva. Viseu: Palimage Editores, 2005, p. 258). Deve chegar.

 

[Texto 7725]

Léxico: «doença do legionário»

Talvez não encontre

 

      «A primeira possibilidade explorada no inquérito do caso do surto de Legionella de Vila Franca de Xira que, em Novembro de 2014, originou 14 vítimas mortais, apontava para a eventual prática de um “crime de poluição com perigo comum”. Mas o Ministério Público (MP) foi obrigado a desistir desta possibilidade, porque a legislação portuguesa é praticamente omissa nas questões ligadas à chamada “doença do legionário”, ao contrário da vizinha Espanha, que já tem legislação específica sobre a Legionella desde 2003» («Vazio legal livra arguidos da acusação de crime de poluição», Jorge Talixa, Público, 16.04.2017, p. 12).

    Para quê (bem sei que não é a primeira vez que pergunto) Legionella, quando todos os dicionários registam legionela? Nos dicionários, todavia, nem tudo está bem. Natural seria que o leitor que procurasse doença do legionário consultasse o verbete relativo a legionário. Pelo menos no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não ia ter sorte. No verbete legionela, porém, já encontramos a locução «doença do Legionário» (sic); no verbete legionelose, «doença do(s) legionários(s)». Esta falta de uniformidade não ajuda o leitor, e, no entanto, são problemas que facilmente se podem resolver.

 

[Texto 7724]