Com que então ironia...
Sobre bojarda ainda há mais para dizer. Assim, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, lê-se que o substantivo bojarda é a «variedade de pêra sumarenta e doce». Ora, o que regista Fr. Domingos Vieira no seu dicionário é que o adjectivo bojarda significa «que engana», acrescentando o exemplo da «pêra bojarda», «espécie de pêra que tem má aparência e bom sabor». Não é, contudo, o único problema deste verbete: falta ainda um sentido coloquial, ausência que explica, em parte, o erro que aqui vimos ontem de, a uma bomba, se dar o nome de «bujarda»... (Mas veio agora uma inventada maria-vai-com-as-outras sancionar o seu uso irónico...) Pergunto a mim mesmo que leitor inepto lia, naquele ou noutro dicionário, que uma das acepções é «pontapé violento» e não deduzia que também significa tirázio, bomba. Claro que já sabemos a resposta. Quanto ao étimo desta acepção, talvez seja italiano, como se diz, mas tenho dúvidas. Curiosa é a pista que nos deixa Joana Lopes Alves na obra A Linguagem dos Pescadores da Ericeira, quando afirma que bojarda é, ali, «forma de jogar o pião, atirando com força» (p. 201).
Agora o que mais interessa: «Quando, por fim, conseguiu fazer a travessia para a Normandia (no Dia D mais 6 e com autorização do rei) pediu que o navio em que seguia “atirasse uma bojarda” aos alemães» (O Factor Churchill, Boris Johnson. Tradução de José Mendonça da Cruz. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2015, p. 223). «— O nosso alferes devia ter levado uma bojarda. Então a disparar contra nós?! Se alguém lerpasse, não lhe queria estar na pele...» (A Primeira Coluna de Napainor, António S. Viana. Lisboa: Editorial Caminho, 1994, p. 91). «— Trezentos!?... — explodia o Dr. Faustino, como a responder a uma bojarda inimiga. — Você está doido ou quê? É que nem cem lá estão!...» (O Senhor Comendador: retratos de um Portugal de Abril, Cândido Ferreira. Lisboa: Padrões Culturais Editora, 2006, p. 116). «Depois foi caos: com bojardas de lança rocketes e de armas automáticas, os gajos lançaram-se num violentíssimo assalto, tentando apreender as armas deixadas pelos mortos e pelos muitos feridos, o que parece não terem conseguido» (Gostaria de Morrer Naquela Noite, Fernando Chiotte. Sintra: Zéfiro, 2005, p. 68). «Efectua-se o reagrupamento do pessoal e fazem-se os preparativos para o início da operação, enquanto a artilharia descarrega mais umas bojardas» (Dembos: a floresta do medo; Angola, 1969 a 1971, Carlos Augusto Rodrigues Ganhão. Lisboa: Terramar, 2007, p. 148). «Já não chegou ter de ir a pé por toda a zona das “sete curvas”, onde o inimigo gosta de presentear o pessoal com umas bojardas, e temos mais esta!» (O Despertar dos Combatentes: fotos com estórias em Angola, Joaquim Coelho. Lisboa: Clássica Editora, 2005, p. 275). «Vi uma bojarda esgalhar o imbondeiro do largo das viaturas» (O Que agora Me Inquieta, Carlos Coutinho. Lisboa: Livros Horizonte, 1985, p. 11). «Foi novamente dado o alarme e os dos morteiros e dos obuses, já reabastecidos, mandaram mais algumas bojardas para a mata» (Heróis do Capim, José Leon Machado. Edições Vercial, 2016). «Com tudo pronto e esclarecido, aí vamos nós, com a artilharia já a largar bojardas para os objectivos, não se percebendo bem para quê, a não ser que seja para avisar ou espantar a caça» (A Pátria ou a Vida, [Diamantino] Gertrudes da Silva. Viseu: Palimage Editores, 2005, p. 258). Deve chegar.
[Texto 7725]