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Linguagista

Léxico: «descompasso ecológico»

Antes que seja tarde

 

      E a propósito de alterações climáticas e políticas de desenvolvimento sustentável: ontem ouvi por duas vezes a expressão descompasso ecológico. É o nome que se dá ao uso de recursos a velocidade superior à capacidade de regeneração e à criação de resíduos como CO2 a velocidade superior à capacidade de absorção, o que leva ao esgotamento de recursos. Quanto mais depressa for para os dicionários, menos provável — e menos legítimo — será os traidores da língua usarem a expressão inglesa ecological overshoot.

 

[Texto 7741]

«Incubar/encubar»

Até ao fim dos tempos

 

      Evidentemente, não é só de melhores dicionários que precisamos, mas de falantes mais competentes, sobretudo se são jornalistas: «Abraham Poincheval é o nome do artista francês que, durante três semanas, vai virar galinha. Sim, galinha. E como? Ao encubar 10 ovos com o seu próprio calor corporal até que ecludam. O artista irá ficar dentro de uma vitrina, no museu Palais de Tóquio, em Paris, e pode ser observado pelos curiosos que o visitem, conta a BBC» («O artista que vai chocar 10 ovos em Paris», Observador, 30.03.2017, 12h06).

      O artigo cita um artigo da BBC, onde se lê: «How? By incubating 10 eggs with his own body heat.» Como é que o jornalista não consulta um dicionário? Como é que, caramba, não repara na ortografia da palavra inglesa? Encubar é recolher em cuba, envasilhar; incubar é chocar ovos. São, por isso, parónimos, ou seja, palavras que se aproximam na ortografia e na pronúncia, mas com significado diferente. Será sempre necessário, até ao fim dos tempos, continuar a falar das coisas simples, básicas.

 

[Texto 7740]

Léxico: «chocalheira-intermédia»

Toca a bulir

 

      Ah, os nomes comuns das plantas nos nossos dicionários... A mulher de Heidegger mandou Zittergras para Hannah Arendt... Que querida! Bem, mas o Zittergras desapareceu. É o nosso — e está nos dicionários — bole-bole, ou bule-bule. Só que também é conhecido por outros nomes comuns (o científico é Briza media), dos quais o mais curioso é chocalheira-intermédia, ausente dos dicionários. Ora esta! Aliás, também se lhe dá o nome de brisa, e muito bem, pois à mínima brisa toda ela treme. (Expressivo também em inglês, quaking grass.) Agora reparem: o mesmo para outros, mas o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não tem chocalheira-intermédia nem brisa, isto quando o Dicionário de Inglês-Português regista «brisa» nesta acepção. Isto carece de algum estudo aturado ou de algum referendo para ser consagrado nos dicionários, como alguns gostariam? Não fazem nem deixariam fazer, se tivessem poder para tal.

 

[Texto 7739]

Léxico: «termossalino»

Incompreensível

 

      «O “caminho” do plástico no Atlântico norte até ao oceano Ártico foi seguido através de uma rede de 17.000 bóias com sensores que transmitem dados via satélite e permitiram confirmar que a poluição segue para norte levada pela chamada “circulação termossalina”, uma vasta corrente conhecida como o “tapete rolante oceânico” por ser responsável pela circulação de grandes massas de água temperada para norte, regulando o clima global e contribuindo para a oxigenação e distribuição de nutrientes nos oceanos» («Maré de lixo no Ártico», Lusa/TSF, 19.04.2017, 20h43).

     Então, num tempo em que se fala tanto, e com tanta razão, em alterações climáticas e em políticas de desenvolvimento sustentável, este termo, que se usa a par de termoalino, ouvido diariamente nas universidades e empregado em estudos, não vai para os dicionários? Vocabulário é conhecimento, e só a certos feiticeiros pode interessar manter estes vocábulos fora dos dicionários. Contrariemo-los.

 

[Texto 7738]

Léxico: «nematocisto»

Se são sinónimos...

 

      «O estudo foi feito com duas espécies de alforrecas – animal aquático de corpo mole e gelatinoso, com tentáculos que, após o contacto, podem injetar uma espécie de espinho – muito perigosas que habitam na costa do Havai e da Austrália. […] Pelo contrário, a aplicação de água do mar “não gera a descarga das células urticantes, por isso este é o remédio recomendado para a picada das alforrecas [nas costas espanholas]”, acrescentaram» («Em Portugal basta água salgada para tratar as picadas das alforrecas», Lusa/TSF, 19.04.2017, 21h49).

    Alforreca, medusa e água-viva não são sinónimos? Pois pelo Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não se chega a perceber completamente. A definição mais pobre, mas talvez suficiente se houver remissões dos outros verbetes, é a de medusa: «forma de celenterado adaptada à vida errante, com aspecto de campânula, disco ou sino; alforreca». Cá está, remete para alforreca: «designação comum aos celenterados marinhos cifozoários, de corpo em forma de campânula, mole, gelatinoso e transparente, e órgãos urticantes capazes de provocar ardência e queimaduras quando em contacto com a pele humana». Este não remete para nenhum sinónimo, mas sabemos que há, pelo menos, outro, água-viva: «designação comum aos celenterados marinhos cifozoários, de corpo em forma de campânula, mole, gelatinoso e transparente, e órgãos urticantes capazes de provocar ardência e queimaduras quando em contacto com a pele humana; alforreca». Para ser útil, cada verbete tem de remeter para os outros dois sinónimos. Como seria igualmente útil saber-se que as células urticantes têm a designação de cnidócitos ou cnidoblastos (cujo prolongamento em ponta se chama cnidocílio, o sensor), capazes de ejectar uma pequena cápsula arredondada, um organelo intracelular, o nematocisto, que contém um filamento espiralado, uma espécie de espinho. Ora, se cnidócito e cnidoblasto estão no dicionário (mas a definição difere), nematocisto não o encontramos lá.

 

[Texto 7737]