Ideias feitas
E por falar dos pobres Bugis: na TSF, ouvi anteontem uma entrevista ao encenador Rogério Carvalho, que é negro — ou será preto? É o que vamos descobrir já de seguida. Para a peça que tem no Teatro São Luiz, escolheu treze actores, todos negros — ou serão pretos? «O Jean Genet utiliza a palavra nègre, que é mais pejorativa do que noir, mas em português é o contrário. Há conotações diferentes quando dizemos negros ou pretos. Manteve o título Os Negros», pergunta-lhe Ana Sousa Dias. «O tradutor manteve e nós também. Em Portugal, a palavra “negro” passa por não ser pejorativa, mas a palavra correcta ao referir-se a uma pessoa preta é mesmo “preto”. A palavra que identificamos como pura e que se relaciona com as pessoas nascidas em África que tenham a cor preta é a palavra “preto”. À medida que as pessoas foram adquirindo uma aproximação à cultura ocidental, entraram numa alienação porque perderam as raízes, as ligações aos movimentos culturais. Quando os europeus chegaram a África, os pretos eram os pretos, depois foram-se transformando em negros. Enquanto para os franceses nègre corresponde a uma alienação, a palavra noir não o é. Nègre é um aculturado, que tem uma relação mais próxima com a civilização ocidental, com a cultura ocidental, mesmo no que se refere ao teatro ocidental. Isso significa que houve uma passagem de noir a nègre no sentido da alienação, é um movimento alienatório, uma perda de identidade. Na própria peça, Genet faz essa transposição de um ritual em que se procura aproximar dessa identidade.» Quem é ignorante, é a pergunta que se impõe quando lemos, a propósito de preto, isto no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: «pejorativo designação preconceituosa, discriminatória ou ignorante de pessoa que tem a pele de cor escura, por elevada pigmentação». Por elevada pigmentação... Tem mais que ver com raça do que com cores: há pretos mais claros do que muitos brancos.
[Texto 8213]