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Linguagista

Léxico: «capitular»

Ainda agora

 

      «O facto passou-se assim: os capitulares bracarenses, alguns dos quais estavam incompatibilizados com o arcebispo, reuniram-se, no fim de Janeiro de 1380, sob a presidência de Gil Peres, arcediago do Couto, e resolveram subtrair-se à autoridade do prelado, D. Lourenço Vicente, por ele não reconhecer a legitimidade de Clemente VII» («Portugal e o Cisma do Ocidente», Júlio César Baptista, in Lusitania Sacra, 1.ª série, tomo I, Lisboa, 1956, pp. 113-14).

    Ai que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora se esqueceu do substantivo... Aproveito para esclarecer que capitulares não é coisa só do século XIV — ainda hoje (embora essa não seja condição para estar ou deixar de estar dicionarizado) há capitulares. Aos membros de um capítulo dá-se o nome de capitulares.

 

[Texto 8245]

Era um recado para o futuro

Chama-se presciência

 

      Meu Deus, acho que as autoras se estavam a dirigir directamente ao tradutor. É arrepiante, vejam: «– Ei não é uma palavra – respondeu Langley de modo afetado, e foi-se embora» (Pintar o Futuro — Uma História de Amor e de Esperança, Louise L. Hay e Lynn Lauber. Tradução de Duarte Sousa Tavares. Lisboa: Pergaminho, 2012, p. 11). «Yo isn’t a word.» É que o rapaz das entregas (deliveryman) já antes usara a palavra: «– Ei... bolas, não tinha percebido. O senhor é cego» (idem, ibidem). Ah, bolas, no original a palavra é outra: «Hey—oh, damn, man, I didn’t realize. You blind.» Para a próxima sai melhor, não é? (Está aqui uma pessoa a espreitar por cima do meu ombro e a resmungar «mais um Sousa Tavares». Não percebo. Não conheço ninguém.)

 

[Texto 8244]

Vamos ver se percebemos

Outra vulnerabilidade

 

      «Madonna já terá conseguido comprar a sua casa em Portugal. Não em Lisboa, mas um luxuoso palacete em Sintra que estava à venda por 7,5 milhões de euros pela imobiliária Engel & Volkers, segundo a revista Nova Gente. A Quinta do Relógio, no centro da vila, tem sete quartos, sete casas de banho, três salas e um grande jardim com plantas exóticas e fontes. [...] O primeiro proprietário do espaço que daria origem à quinta foi D. Fernando Maria de Sousa Coutinho Castelo Branco e Meneses, o 15º Conde de Redondo» («A história (e 43 fotos) do palacete de luxo que Madonna pode comprar em Sintra», Marta Leite Ferreira, Observador, 9.06.2017, 12h41). Uns meses depois: «É uma casa de sonho com um preço de pesadelo: 15 milhões de euros, fora comissões. Chama-se Quinta do Relógio, foi construída em 1860 e serviu de residência ao rei D. Fernando II. Fica em Paço de Arcos, Oeiras, encostado à marginal, em cima do mar» («Madonna quer viver à borla em palacete de Paço de Arcos», Luís Ribeiro, Visão, 19.10.2017, 18h11).

      Em conclusão, Madonna quer é uma Quinta do Relógio, ligada a um qualquer D. Fernando, conde ou rei, e é-lhe indiferente que custe 7,5 milhões de euros ou 15 milhões de euros, porque não tenciona pagar nem um cêntimo. Entretanto, temos de esperar que os jornalistas descubram mais Quintas do Relógio. Ah, sim, há mais conclusões, mas deixo-as para o leitor perspicaz.

 

[Texto 8243]

Léxico: «cibercriminoso»

Uma vulnerabilidade

 

      «Uma vulnerabilidade nos sistemas da EPAL deixou os dados de clientes de 15 empresas de distribuição de água em risco de serem explorados por cibercriminosos, mesmo que não tenham grandes conhecimentos técnicos» («EPAL: falha deixa clientes vulneráveis», H. S., Exame Informática, Outubro de 2017, p. 10).

      Que curioso, para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, há cibercrime e cibercriminalidade, mas não cibercriminosos.

 

[Texto 8242]

«Doença celíaca»

Pense bem

 

      «Também é recomendada uma avaliação prudente e personalizada daqueles [candidatos a seminaristas] que “são afetados por celíaca ou dos que sofrem de alcoolismo”» («Vaticano quer evitar padres gays e pedófilos», Sónia Trigueirão, Correio do Manhã, 16.10.2017, p. 16).

      Cita bem a jornalista (só é pena não encontrar uma palavra portuguesa para gay, não é?), pois é o que se lê na nova Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis, actualizada — em Dezembro de 2016, mas só agora os jornalistas deram por isso — quase cinquenta anos depois. Bem vejo que o erro é dos serviços de tradução do Vaticano. Pena é que a jornalista não conheça melhor a sua língua. É certo que em castelhano se diz celiaquía (como também se diz enfermedad celíaca), e em francês cœliaquie, e em italiano celiachia — mas em português é doença celíaca, assim como em inglês é celiac disease. Não citava textualmente, tirava as aspas e escrevia de forma correcta — e o leitor, que até pagou o jornal, agradecia.

[Texto 8240]

«Queima» e «queimada», de novo

Agora na prática

 

      «A Judiciária de Aveiro anunciou ontem a detenção de um homem de 25 anos, [sic] que no domingo causou um incêndio ao tentar fazer uma queima nas traseiras de casa, de modo a [sic] limpar o terreno. As chamas descontrolaram-se [sic], destruíram uma casa, atravessaram a A25 e colocaram [sic] em perigo uma fábrica» («Queima acaba em incêndio», Correio do Manhã, 18.10.2017, p. 7). Aqui, se se lembram, fizemos a distinção entre queima e queimada.

 

[Texto 8239]

«Bordadura de carvalhos»

Não é só num canteiro

 

      «O antigo eurodeputado do PS António Campos tem 40 mil macieiras, em Oliveira do Hospital, mas apenas três foram queimadas no domingo. “Uma bordadura de carvalhos travou o fogo”, justificou» («Carvalhos salvam pomar de político», Correio do Manhã, 19.10.2017, p. 7).

      Bordadura de carvalhos, disse e muito bem o antigo eurodeputado. Mas, para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: «cercadura de plantas num canteiro de jardim».

 

[Texto 8238]