Então o que fazemos?
«Numa reportagem feita pela Renascença há cinco anos, Alberto Luís contou como Agustina escrevia os seus romances à mão e ele decifrava a letra e escrevia à máquina.
“Todos os romances dela eram escritos em três meses. Ela por ano só trabalhava três meses, mas trabalhava a sério, como um operário, todos os dias fazia uma página destas e eu passava à máquina. Decifrava, descriptava, às vezes ia perguntar-lhe o que era aquilo e ela só revia quando vinham as provas tipográficas, que eu lhe lia em voz alta e ela seguia pelo manuscrito”, disse Alberto Luís. “Era a única intervenção dela na correcção. Alterava, às vezes, uma frase, umas palavras. Toda a minha vida a decifrar, a descriptar, porque aquilo é muito difícil para quem não está habituado sobretudo em certas fases, porque ela tem fases de letra minúscula e outra de letra maior”, recordou o marido de Agustina Bessa-Luís» («Morreu Alberto Luis [sic], marido de Agustina Bessa-Luís», Rádio Renascença, 14.11.2017, 22h23).
Acabei de ver a reportagem, não estivesse o jornalista — o que é raríssimo — enganado. Não está: Alberto Luís usa três vezes o verbo descriptar. Nunca eu o vi mais gordo, confesso. Já tenho lido, mas não me soa bem nem me parece português, decriptar, que o Aulete regista. Para dizer tudo: sempre empreguei apenas, nesta acepção, o verbo desencriptar, que alguns dicionários acolhem. Estranhamente (ainda nem me recompus da surpresa), o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não regista nenhum! Entretanto, procuramos e vemos que no Dicionário de Inglês-Português da Porto Editora está descriptar. Não pode ser. E atenção: o sentido não está relacionado somente com a informática.
[Texto 8341]