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Linguagista

Particípio passado de «ouvir»

Não mata, mas mói

 

      Foi hoje divulgado um inquérito, realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), que revela que quase um quarto dos Portugueses tem dificuldades em ouvir, até os que usam prótese auditiva. Ah, mas eu ouvi, também hoje, aquela criaturinha, professora de Português, usar a forma verbal errada «ouvisto»: «Nunca tinha ouvisto este som», disse a criaturinha. Senti uma guinada no estômago — mas era a terceira vez que lhe ouvia a enormidade, doeu menos. A gente habitua-se a tudo. Numa das outras vezes, chamei-lhe a atenção, mas desmentiu-me, indignada. Tenho de me precaver... Não é nada de novo: já, pelo menos, desde Madureira Feijó que andamos a alertar os descuidados: o único particípio pretérito do verbo «ouvir» é ouvido. Parece que estão a juntar o particípio de «ver» (visto) com o de «ouvir» (ouvido). Professora de Português, Dia Internacional da Mulher...

 

[Texto 8886]

Léxico: «intermareal»

É isto mesmo

 

      Lembram-se dos anglicismos intertidal e subtidal, de que falámos aqui? Ora leiam isto: «A zonação vegetal é mais nítida em costas com uma maior variação de maré (J. Davies, 1980), o que significa alargar o território intermareal da Spartina, separando o ambiente hipersalino da Salicórnia (a montante) e o da borda da baixa-mar (a jusante), onde se encontra o grupo das gramíneas (angiospérmicas marítimas) que incluem a Zostera, praticamente sempre submersas» (Zonas Húmidas Costeiras e Ordenamento Territorial — O Caso do Estuário do Mondego, José Luís Ribeiro. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2001, p. 60).

      Andam por aí a macaquear o inglês e depois, afinal, a solução está na nossa própria língua. Mas já sabemos como é: fui a casa da vizinha, envergonhei-me; vim à minha, remediei-me.

 

[Texto 8885]

Léxico: «dunar»

Uma coisa de cada vez

 

      Sugeri aqui a inclusão da locução cordão dunar no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, mas só agora reparei que nem sequer o adjectivo dunar aquele dicionário acolhe. Sendo assim: «Os processos químicos nas raízes das plantas têm implicações geomorfológicas, tal como os animais de maior porte que podem jogar um papel decisivo na morfodinâmica dunar, através do pastoreio, do pisoteio e da escavação» (Zonas Húmidas Costeiras e Ordenamento Territorial — O Caso do Estuário do Mondego, José Luís Ribeiro. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2001, p. 61).

 

[Texto 8884]

Léxico: «pontuador»

Olha que dois

 

     «As cinco gravuras desenhadas em rochas que há dias foram encontradas por um ex-militar espanhol junto à ponte de Ajuda, nas margens do Guadiana têm cinco mil anos. A confirmação foi dada, esta quinta-feira, pelo especialista em arte rupestre, António Martinho Batista» («Gravuras encontradas nas margens do Guadiana têm 5 mil anos», Roberto Dores, TSF, 8.03.2018, 13h30).

   Pode juntar-se a outra grande pontuadora, a colega da Rádio Renascença, que vimos aqui. Pois se há pessoas que se ufanam de ter «intuição» para pontuar correctamente... Pois, pois. Nem intuição nem unção, é preciso gramática. Esperem: por que motivo não regista o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora o vocábulo «pontuador»? Intuição ou embirração?

 

[Texto 8883]

Léxico: «desmaterializar»

Especificamente

 

       «Segundo o secretário-geral da Associação [Sindical de Juízes, João Paulo Raposo], atualmente “o poder, a disponibilidade e o controlo da informação está toda nas mãos do Governo. São realidades desmaterializadas”, defendendo a criação de um órgão de gestão independente “que tivesse capacidade para gerir e controlar a informação”» («Juízes alertam para falta de segurança das plataformas informáticas da justiça», TSF, 7.03.2018, 21h27).

      Encontramo-lo no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, sim, e em todos os dicionários, mas, ao que me parece, a definição — «tornar imaterial» — não está especificamente adequada ao contexto da informática. Sim, vós sabeis, porque sois a fina flor, mas os dicionários são para todos, e até mais para quem sabe menos.

 

[Texto 8882]

Léxico: «desassentar»

Todos os dias

 

    «Sobre a agitação marítima, o responsável [Fernando Pereira da Fonseca, porta-voz da Autoridade Marítima Nacional] disse que, por um lado, “pode até ajudar a que o navio desassente”, uma vez que se trata de um “rebocador de alto mar, que tem uma capacidade que não tem nenhum dos outros”» («Grande rebocador vem a caminho de Lisboa para salvar navio encalhado», TSF, 8.03.2018, 9h42).

    Estão a ver como palavras do dia-a-dia, por vezes de uma área específica, mas outras tantas de uso geral, não estão nos dicionários? Pois é, desassentar não está no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Um trabalho exaustivo, sistemático, traria para os dicionários largos milhares de palavras e acepções.

 

[Texto 8881]

Como se pontua por aí

Não vão presos

 

      «Pedro Dias conhece sentença. “Nem com 25 anos, é passível de ser ressocializado”, diz acusação» (Liliana Carona, Rádio Renascença, 8.03.2018, 6h28).

      «Nem com 25 anos, é passível de ser ressocializado.» Faz lembrar o caçador que tinha um cão e a mãe do caçador era também o pai do cão. No corpo do artigo, a jornalista volta a mostrar que é exímia no desconhecimento da pontuação. Ah, não sabiam que se pode ser exímio na inépcia? E a propósito, dava mesmo jeito que existisse o substantivo eximiedade, «qualidade do que é exímio», não dava? O facto é que, de quando em quando, se usa em todas as línguas novilatinas, eximiedade, eximiedad, esimità... Não se acanhem, se for pontualmente necessário, usem-no, não vão presos. Há coisas piores.

 

[Texto 8880]