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Linguagista

O desgraçadíssimo verbo «haver»

Terceira e última

 

      É a terceira vez que os visito: a primeira foi quando me disseram que tentavam morder-me as canelas; a segunda, hoje de manhã, que fui lá parar por acaso e, com pena, apesar das dentadas liliputianas, vi que não publicavam nada desde 20 de Janeiro, e agora, depois de um leitor brasileiro do Linguagista me chamar a atenção. E é isto, que deve ser convicção, pois foi publicado ontem e até um leitor, num comentário, os corrigiu timidamente: «Como vemos sempre aqui na página, o Houaiss é um excelente dicionário – de longe o melhor dicionário de português existente hoje -, mas, apesar disso, tem erros – muitos erros, centenas de erros. Já vimos dezenas de erros do Houaiss aqui – vários e vários deles foram corrigidos pela própria equipe do Houaiss após termos tratado deles aqui, mas ainda assim, pelo próprio tamanho e pela natureza da obra, continuam a haver e é provável que sempre haverá erros» («A origem da palavra “tiete” (e de “tietar”, e “tietagem”)», dicionarioegramatica, 9.03.2018).

      Por sorte, para eles, podem escrever todos os disparates que lhes aprouver, não há ali um nome a responsabilizar-se — é uma «equipe», o casal dicionario e gramatica. Boa sorte.

 

[Texto 8898]

Léxico: «abaladiça»

Em Jijoca de Jericoacoara

 

      «No Brasil chamam-lhe “saideira”, no Alentejo “abaladiça”. É a última bebida antes de se ir embora, seja de um bar ou de uma taberna» («José Barros e Navegante: “É possível fazermos coisas originais que soem a Portugal”», Nuno Pacheco, Público, 10.03.2018, p. 31).

      Inacreditavelmente, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora regista saideira, mas não acolhe abaladiça! O pobre falante fica a saber como se diz em Pintópolis ou em Jijoca de Jericoacoara, mas não em Évora ou em Santiago do Cacém. Ora esta! Em certas zonas do Alentejo, à rodada também chamam corrópia — coisa de que já Leite de Vasconcelos falou —, mas também não aparece nos dicionários.

 

[Texto 8897]

Léxico: «infra-estruturação»

Mais um passinho

 

      «Para o ministério, o que está em causa é um esforço de reduzir riscos imediatos e, ao mesmo tempo, criar condições de base para que a floresta sob a égide do Estado passe do abandono para um estado de infra-estruturação mínima» («Governo limpa faixas ao longo de 830 km para proteger floresta», Manuel Carvalho, Público, 10.03.2018, p. 11).

      Para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, é fácil, pois já regista o verbo, infra-estruturar.

 

[Texto 8896]

Portas de harmónio

Porque pode ser convicção

 

      «Depois de ter mudado de presidente do partido, de ter eleito um novo líder da bancada parlamentar e de ter escolhido novos coordenadores para as comissões, o que faltava ao PSD? Mudar a mobília. [...] Escancararam-se as três portas de harmónia (sempre fechadas) em madeira e vidrinhos, desmontaram-se os velhos móveis e reorganizaram-se os gabinetes» («A mudança. PSD de mobília às costas», Público, 10.03.2018, p. 10).

      Pode não ser nada, mas pode ser convicção. O Garganta Funda atrapalhou-se: como acabou a falar nas desavenças no PSD, essa falta de harmonia comunicou-se ao texto: é portas de harmónio. Como há harmónios e harmónicas, houve ali um conúbio antinatura.

 

[Texto 8895]

Léxico: «ponte móvel»

Não descansem: há mais

 

      «A ponte móvel do Porto de Leixões, que assegura a travessia automóvel e pedonal entre Leça da Palmeira e Matosinhos, está cortada devido a uma “avaria”, que vai ser reparada “no decorrer dos próximos dias”, informou este sábado a APDL [Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo]» («Avaria corta ponte móvel entre Leça da Palmeira e Matosinhos», Rádio Renascença, 10.03.2018, 13h49).

      No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, há muitas pontes — mas não ponte móvel. Regista ponte levadiça (lift bridge, para a legião de anglófonos que nos segue), que é um tipo de ponte móvel, mas não ponte móvel (movable bridge, para a tal legião). Até pode continuar a não registar «cordão dunar», mas a ausência de «ponte móvel» é imperdoável.

 

[Texto 8894]

Léxico: «trânsfer/trânsferes»

Porque é assim que escrevem

 

      Os dicionários registam, e muito bem, que transfer é uma palavra estrangeira, inglesa concretamente. Logo, o plural é transfers. Acontece, porém, que quem mais usa o termo, os agentes de viagens, o aportuguesaram, talvez mal, mas aportuguesaram. A título de exemplo: a revista do ACP deste mês de Março (n.º 765) promove as viagens da ACP Viagens, e lá vem, entre outros, um cruzeiro aos fiordes da Noruega, que inclui «todos os transferes mencionados no programa». Se trânsfer for a forma gráfica portuguesa (com acento), temos o plural em trânsferes. É precisamente o que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora regista, mas, a meu ver, não da forma mais correcta: remete para transfer, como que a indicar que esta forma é a aconselhável, e sem indicar o plural. Dois bons contributos para haver confusões.

 

[Texto 8893]