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Linguagista

Léxico: «múleo»

Vamos ter mais papas

 

      Até Bento XVI, os papas gostavam de usar os múleos, o calçado vermelho utilizado antigamente pelos reis de Alba Longa e, depois, pelos patrícios romanos (mulleus calceus), para, por fim, ser quase um símbolo do poder papal, embora, ao que se afirmava, servissem para simbolizar o sangue dos mártires e a completa submissão do papa à autoridade de Jesus Cristo. Hum... luxo, isso sim. Até os sapatos saídos das mãos de Christian Louboutin são menos luxuosos — ou menos vermelhos, apenas as solas têm essa cor. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, que não regista múleo, é que não quer saber nada disto.

 

[Texto 8935]

Léxico: «bicefalia»

Olha o par!

 

      «A reunião acontece numa altura em que vários militantes criticam abertamente a alegada bicefalia no partido no poder em Angola desde 1975, entre João Lourenço, vice-presidente do partido e chefe de Estado desde setembro, e José Eduardo dos Santos a liderar o MPLA desde 1979» («Eduardo dos Santos não se demite do MPLA e anuncia congresso», Rádio Renascença, 16.03.2018, 13h41).

      Para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, há bicéfalo, mas não bicefalia — e, contudo, regista dicefalia e dicéfalo. Corrija-se.

 

[Texto 8934]

Pronúncia: «vacinação»

Prescrição: ouvir muito

 

      «A Ordem dos Enfermeiros recusa admitir qualquer requisito de entrada na profissão que passe pelo esquema vacinal, mas diz-se disponível para campanhas alargadas de vacinação e para discutir o investimento nos cuidados primários de saúde» («Enfermeiros recusam vacinação obrigatória como requisito para exercer profissão», Rádio Renascença, 16.03.2018, 12h15).

      Hum, os enfermeiros não acreditam nas vacinas... Bela mensagem deixam a todos nós, sim senhor. Bem, problema deles. Problema nosso é o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, pronunciar a palavra «vacinação» como se lhe estivessem a espetar uma agulha enferrujada nas veias: abre o a de uma forma desmesurada — «vàcinação». Nada, não é assim, senhor doutor médico: essa vogalzinha é semiaberta.

 

[Texto 8933]

Um gerundivo tresmalhado

Erra-se de muitas maneiras

 

      «Numa mensagem aos católicos do Porto publicada na página da diocese na Internet, D. Manuel Linda agradece ao Papa Francisco a nomeação, classifica-a como uma prova de confiança, refere uma Igreja reformanda e sensível aos sinais dos tempos e cita Eugénio de Andrade» (Augusta Henriques, noticiário das 12h00, Antena 1, 15.03.2018).

      Na mensagem de D. Manuel Linda, o termo aparece entre aspas, obviamente. «Se “daqui houve nome Portugal” como nos garante Eugénio de Andrade, também floresça uma Igreja conduzida pelo Espírito, sensível aos sinais dos tempos e sempre “reformanda”, como pede o Papa Francisco e exigem os nossos contemporâneos.» Ou seja, a escolha do trecho foi infeliz, a jornalista devia evitar a palavra latina, um gerundivo (ou seja, uma forma verbal, com função de particípio passivo futuro, que exprime a acção do verbo como devendo ser realizada), pois 99 % dos ouvintes não sabem o que significa.

 

[Texto 8931]

Léxico: «imediatidade»

É nossa, devolvam-no-la

 

      «Só tomadas na sua realidade já aceite ou pressentida por todos, e tomadas na sua superficialidade de rápida apreensão (que leva mais a sentir do que a pensar), é que as ideas ganham em imediatidade de comunicação» (Guerra Junqueiro e a Sua Obra Poética, Amorim de Carvalho. Porto: Livraria Figueirinhas, 1945, p. 60).

 

[Texto 8930]

Léxico: «papolatria»

De novo

 

      «Estas atitudes podem tornar-se um incentivo para a reforma da Igreja no seu todo, das cúrias diocesanas e vaticana, assim como das congregações religiosas e movimentos católicos. Não servem para substituir o grande vazio mundial de lideranças humanistas e espirituais, nem para promover o culto da personalidade, a papolatria» («Pobreza escandalosa e pobreza virtuosa», Fr. Bento Domingues, Público, 30.06.2013). É verdade. Mas o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora desconhece o vocábulo papolatria, que só vamos encontrar no Dicionário de Francês-Português. Acontece. Acontece muito.

 

[Texto 8929]

Léxico: «equitatividade»

Não sabem, inventam

 

      Cláudia Costa, repórter da Antena 1, estava ontem na serra da Lousã, e, por isso, foi o presidente da Câmara Municipal da Lousã que levou com esta pergunta: «Mas, no seu entender, é uma boa medida à cabeça ou não de [sic] haver aqui uma equitatividade maior?» A repórter hesitou minimamente ao proferir a palavra, mas, eh, valente, desentalou-se. O entrevistado nem pestanejou. Nunca antes tropeçara em equitatividade (evenness, para a legião de anglófonos que nos segue). Pelo que vi, usa-se na área da biologia, e apenas no Brasil, para indicar a homogeneidade no número total de indivíduos nas populações de espécies que formam uma comunidade. Não a vejo nos dicionários. Será que a repórter queria dizer «equidade»? Não estará aqui o inglês equitability a intrometer-se?

 

[Texto 8927]