Estaremos a dizer o mesmo?
«Cristina reconhece a voz de Rodrigo e vai ela própria correr o trinco» (Despedidas de Verão, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, s/d [1967], p. 24).
Já uma vez, a propósito de um estore, demonstrei que isto não está correcto. Ou estará? Não conhecem o contexto, mas não há muito para saber: Cristina, a protagonista, espera Rodrigo, o seu amante com idade para ser seu filho, e corre a abrir-lhe a porta. Devia ser a criada a fazê-lo, mas ela antecipa-se-lhe. Temos duas acepções, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, que se adequam: «mover, fazendo deslizar», e «fazer entrar (ferrolho)». Se optarmos pela primeira, está tudo bem. Aliás, estaria sempre tudo bem, pois quer se fosse a fechar, quer fosse a abrir uma porta, estava a mover-se, fazendo deslizar, o trinco. Contudo, somos levados a pensar que se trata da segunda acepção, o que sucede pela presença da palavra «ferrolho». Ora bem, vejamos agora com a mesma expressão noutra obra, mas que possamos comprovar. Como? Optando por uma tradução. «Depois de entrar e de correr o trinco, aproximo-me da outra porta em bicos de pés e encosto o ouvido à madeira» (A Herdeira Acidental, Vikas Swarup. Tradução de Elsa T. S. Vieira. Alfragide: Asa, 2013). E aqui, trancou-se ou destrancou-se a porta? Porque a expressão é a mesma. «Once I am inside the room, with the door securely locked, I tiptoe to the other door and put my ear against it, trying to listen in.»
[Texto 9126]