Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

Léxico: «tropical»

Não é adjectivo

 

      «Para mais, podia rasgar-me o tropical, deixar-me algum olho negro; não é que tivesse medo, experimentava apenas uma invencível repugnância em medir forças com aquele vagabundo, que até devia estar bêbedo» (Imitação da Felicidade, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, s/d [1965], p. 96).

      Nos dicionários, nem rasto. Agora vejam: Manuela Pinto da Costa, no seu «Glossário de termos têxteis e afins» (in Revista da Faculdade de Letras, Porto, 2004, I série, vol. III, pp. 137-161), diz-nos que se dá o nome de fresco (que os dicionários também ignoram) ao tecido leve, de lã penteada, obtido pela técnica de tafetá. Se se usar uma trama de lã mohair, designar-se-á então tropical. Diz-nos ainda que é tecido usado para fatos de homem. Até mohair ainda o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora acompanha. Depois, bem, depois o leitor, esse chato, que se amanhe.

 

[Texto 9151]

Léxico: «ravinhoso»

Vamos adivinhar?

 

      «Mas não era digno de mim andar ali ao soco, talvez à reboleta, com um valdevinos ravinhoso» (Imitação da Felicidade, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, s/d [1965], p. 96).

      Ainda o regista José Pedro Machado no seu Grande Dicionário da Língua Portuguesa, depois, é o silêncio. O mesmo que «raivoso», pois claro. Antigo e, até recentemente, usado no Algarve.

 

[Texto 9150]

Léxico: «transinstitucionalização»

Temos de as ajudar

 

      «No ensaio [José Caldas de Almeida, psiquitra e ex-coordenador da saúde mental] critica a chamada “transinstitucionalização”, a transferência de alguns doentes que viviam em hospitais psiquiátricos para ordens religiosas. Como é que isto aconteceu?» («Muitas pessoas com doenças mentais não se tratam por vergonha», Alexandra Campos, Público, 2.05.2018, p. 12).

      Não te rias tão desfaçadamente, Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, que registas desospitalização. Eu acho bem. Supõe que alguém recebe em casa uma dessas cartas pomposas (mas com erros e verborreia) e vem lá essa palavra. Temos, pois, de ajudar essas pessoas. E vejo transinstitucionalização em teses, dissertações, artigos de jornais, etc., tanto portugueses como brasileiros.

 

[Texto 9149]

Léxico: «graxa»

Mas quem fez isso?

 

      «Mas o graxa não fazia, é claro, ideia nenhuma do que seja o fado» (Imitação da Felicidade, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, s/d [1965], p. 42).

      Quase nos deixavam sem palavras. Não está no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Graxa, engraxador.

 

[Texto 9148]

Léxico: «carneirice»

É a sina

 

      «Já sei, não és a primeira a dar por isso, mas não te compete a ti, que levas aqui uma santa vida, sem mexer uma palha por nós, atirar-nos à cara com a nossa carneirice» (Imitação da Felicidade, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, s/d [1965], p. 31).

      Só não aparece nos dicionários, porque da boca dos falantes sai de quando em quando. É a sina.

 

[Texto 9147]

Léxico: «idioteira»

Ala

 

      «Que idioteira a minha de querer oferecer o almoço!» (Imitação da Felicidade, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, s/d [1965], p. 25).

      Se há grande diversidade de idiotas, é bom que se reconheça a variedade de idiotices. Vá, Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, recolhe-o, até porque António Lobo Antunes (agora já impensavelmente nobelizável) também o usa. Diacho, agora vejo: também não acolhe caloreira. Isto quando não deixa de registar barulheira, chinfrineira, soneira, trabalheira...

 

[Texto 9146]

Léxico: «boleima»

Cada louco com sua teima

 

      «Entre a tradição conventual da doçaria nacional e a arte alentejana de bem aproveitar, aqui ganha a segunda. De origens humildes, a boleima é um bolo feito com massa de pão de trigo (muitas vezes, os restos que sobram no alguidar), açúcar, azeite, banha e canela. A boleima rica leva ainda pedaços de maçã» («Boleima», As Melhores Receitas de Portugal — Região da Portalegre. Lisboa: Correio da Manhã, 2018, p. 14).

     Talvez um dos mais emblemáticos (não digo típicos) bolos do Alentejo, e que diz o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora? Isto: «bolo grosseiro». Dir-se-á que é outra acepção. Será, mas que não esqueça aquela alentejana, que bem pode ser a do verso da gil-vicentina Farsa de Inês Pereira: «Cada louco com sua teima. / Com uma borda de boleima / e uma vez de água fria, / não quero mais cada dia.» Porque não? Como bolo de tabuleiro que é, a boleima tem bordas, a parte mais deliciosa. 

 

[Texto 9145]

Léxico: «espectadorismo»

Nada contra

 

      «Então disse-me o coração, em alvoroço, como era tolo e ridículo aquele meu espectadorismo pseudo-analítico: quando a ponte cai do céu, é a gente meter por ela, de olhos vendados; só há um caminho, que é o da ternura: esse franqueia todas as portas» (Vida Perigosa, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1955, p. 201).

      Vejam então, da literatura ao ensaio, da crítica literária à crónica, se muitos autores não sentiram que fazia falta.

 

[Texto 9144]

Léxico: «burricalho»

Mais do que isso

 

      «Antigamente a Luzia, quando vinha ao “monte”, com o irmanito, a cavalo num burricalho e toda enfarinhada do trigo moído que nos trazia, levava a vida num sorriso: escusava-se, prometia, resolvia todas as dificuldades com três palavras mágicas: “Não tem dúvida!”» (Vida Perigosa, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1955, p. 190).

      Encontramo-lo em vários autores alentejanos. Sem deixar de ser um diminutivo, não podemos dizer que é só isso. E é curioso comprovar que Gonçalves Viana o registou.

 

[Texto 9143]