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Linguagista

Léxico: «sem-trabalho»

Afinal, não é de agora

 

      «Novamente, conforme os aguaceiros iam minguando, começavam a reunir-se no largo, à boa vida, e de bem má catadura, os coitados, os sem-trabalho, os maltrapilhos, os pedintões; e vinham com eles acompadrar-se homens válidos e enxutos de vergonha, operários, camponeses, pastores, os mesmos de onde agora, uns de ganga, outros de bombazina, ou de saragoça e com jaquetas listradas, aldeãs, patriarcais, gente em barda, amaltesada, excitada» (As Aves da Madrugada, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1959, p. 52).

      Podia pensar-se que são formas modernas de dizer, os sem-isto, os sem-aquilo, mas não é bem assim. Seja então sem-trabalho.

 

[Texto 9194]

Léxico: «luzença»

Mais antigo

 

      «Os postes de iluminação, muito raros, espargiam pela orla da estrada umas luzenças funestas e vacilantes, que se embrenhavam nos valados sem som (pois a roncadura contínua do motor abafava toda a respiração da natureza) e ressaltavam a crueldade hirta das figueiras mais próximas, fantasmagóricas, oníricas sentinelas do campo trevoso, onde a angústia do dr. Couceiro levantava os horrores eternos da noite» (As Aves da Madrugada, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1959, p. 29).

      Está bem, Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, registas «luzência», mas luzença, de «luzente», é mais antigo e tem de estar à mão, não é?

 

[Texto 9192]

Léxico: «cadelice»

Só «camelice»

 

      «Podiam todos vir vê-la, inspeccioná-la, farejá-la, exprobrar-lhe a sua cadelice, a sua ausência, a sua incúria, a sua falta de tacto e de sentido das proporções, a sua carência de educação, de jeito para a dignidade; podiam adivinhar, saber, todos podiam saber o que ela estivera fazendo, como o acaso a sujara e a ultrajara» (As Aves da Madrugada, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1959, p. 21).

      «Queria pesquisar camelice?», pergunta-me o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora.

 

[Texto 9191]

Léxico: «esteadouro»

Alguém conhece?

 

      «Ainda assim, “desde que começa o verão, deitamo-las às 5 horas da manhã e vêm às 8 horas para o esteadouro. Depois saem lá para as 7 horas da tarde e assim andam até lá para as 10 horas da noite”, conta a pastora de Lamas» («De cajado na mão, mulheres guardam gado em Trás-os-Montes», Olímpia Mairos, Rádio Renascença, 9.05.2018, 8h00).

      O que é, o que não é, ninguém sabe. Ou será gralha? Olímpia Mairos, faxavor, telefone a essa pastora moderna e pergunte-lhe.

 

[Texto 9190]

Léxico: «cogula»

É perguntarem

 

      «“Previsivelmente (com alguma sorte à mistura) podemos ter uma farda por militar, botas, cogula, óculos e capacete no dia 20 de maio. Sublinho que só teremos uma farda... não há tecido em Portugal para mais nesta altura. Esclareço também que nesta altura provavelmente não vai haver luvas (estamos a pensar em soluções ‘imaginativas’ para solucionar este problema. Até agora não vemos a luz ao fundo do túnel)”, informa o comandante do GIPS, major Cura Marques, num e-mail que escreveu aos seus homens a uma semana de terminarem a formação (15 de maio)» («Incêndios. Faltam luvas, capacetes e fatos ao Grupo de Intervenção da GNR», Rádio Renascença, 9.05.2018, 7h25).

      Cogula, nesta acepção, foi registado há quatro anos, por sugestão minha, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. A forma como está dicionarizado, contudo, não me satisfaz inteiramente. Vejamos: a última acepção (3) remete para balaclava, verbete em que encontramos a definição. Estaria tudo bem, se, nas lojas que vendem estes equipamentos de protecção individual (como esta), não pusessem, lado a lado, cogulas e balaclavas.

 

[Texto 9189]

Léxico: «abstero»

Reciclemo-las

 

      «Como poderia adivinhar que ele se confessava todas as noites a um pai maníaco e que, mesmo prestes a abalar para a Argélia, disposto a esporear a coragem obrigatória herdada da sua dinastia, e a justiçar milhares de insurrectos, à sombra da bandeira francesa, ainda o apoleava fixamente o cumprimento daquela cláusula abstera da sua educação?!» (As Aves da Madrugada, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1959, p. 13).

      Sim, antigo, o mesmo que «austero», mas agora mandamo-las para o lixo só porque são antigas? E depois como é que lemos os livros antigos e menos antigos em que elas aparecem?

 

[Texto 9188]

Léxico: «esgolado»

Não o esqueceremos

 

      «Torpe e maculada que ali surgisse, que se desse em espectáculo porventura, ao investir para o seu quarto, como um bicho perseguido (ou seria capaz de penetrar calmamente naquele burguesíssimo lar, como se nada lhe tivesse acontecido?), esgolada e ensaguinhada, convulsa e espavorida que a vissem, ninguém a “veria” ou daria mostras de a “ver” em tal estado» (As Aves da Madrugada, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1959, pp. 11-12).

      Esgolar-se, esgolado, nada, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Mas esgolado encontramo-lo no VOLP da Academia Brasileira de Letras.

 

[Texto 9187]

Léxico: «palestino»

Pois é...

 

      «Sempre apoiei a causa palestina pelo fim da ocupação e da anexação israelita e pelo reconhecimento do Estado da Palestina (sem pôr em causa a existência do Estado de Israel). E sempre separei a condenação da repressão israelita e da instalação dos colonatos nos territórios ocupados em relação a qualquer atitude antijudaica, de que jamais compartilhei, apesar de Israel se definir como Estado judaico» («Um péssimo serviço à causa palestina», Vital Moreira, blogue Causa Nossa, 3.05.2018).

      O mais triste disto tudo é que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora remete de palestino para palestiniano, mas não o contrário.

 

[Texto 9186]