Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

Léxico: «marialvesco»

Dá jeito

 

      «Era um animal em pleno viço, por desbravar. Vinha já arreado, com os estribos compridos, como se um fantasma marialvesco o montasse, mas ninguém se lhe assentava na sela de caixa, imponente, o género menos da minha afeição» (As Aves da Madrugada, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1959, p. 72).

 

[Texto 9203]

Léxico: «bacoreiro»

Sempre os haverá

 

     «As bacoreiras, encostadas à correnteza de casas branquejantes, a pasmarem daquele revoltilho, os criados do Pepeillo picando os cavalos» (As Aves da Madrugada, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1959, p. 71).

      Os dicionários de agora vão de «bacorada» para «bacorejar» sem parar nas estações intermédias. Então, Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, não há nem nunca houve bacoreiros e bacoreiras, guardadores de bácoros? E há, sempre houve e haverá outros bacoreiros: os mexeriqueiros. Que a Virgem Maria os confunda. (Ah, sim, revoltilho também jaz sepultado nos alfarrábios pulverulentos.)

 

[Texto 9202]

Como se escreve nos jornais

De nos envergonhar

 

      «Modelou-se assim a diversidade genética antiga e actual da Ásia Central através de grupos ancestrais, como os hunos ou os xiongnu (povo nómada criador de gado dessa região). E traçaram ainda os principais eventos migratórios dos pastores das estepes desde 3000 a.C. até ao presente» («Há milhares de anos o vírus da hepatite B alastrava-se pela Eurásia», Teresa Serafim, Público, 10.05.2018, p. 29).

      Eu só não sei como os jornalistas não se envergonham de escrever desta maneira. «Os hunos ou os xiongnu»! Teresa Serafim, é como se dissesse «as melancias ou os melão». Tal qual. Raciocínio.

      «Uma das razões pelas quais nómadas pastoris armados como os xiongnus, os hunos e os mongóis se tornaram poderosos militares foi a sua capacidade de mobilizar quase 100% da sua população masculina apta» (As Origens da Ordem Política – Dos Tempos Pré-Históricos à Revolução Francesa, Francis Fukuyama. Tradução de Ricardo Noronha e revisão de Rita Almeida Simões. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2012, p. 264). Aqui, só é lamentável que a revisora (e o tradutor, pois claro, mas a última responsabilidade é a do revisor) grafe o nome deste povo — e está assim em toda a obra — em itálico. Decisões sem pés nem cabeça.

 

[Texto 9201]

Léxico: «raizedo»

Outrora

 

      «Como era possível que só agora se recordasse, precisamente agora, com tanta nitidez, do bordão nodoso que resvalara da mão aflita do moribundo para o meio daquela moita de sarças ou de raizedos?» (As Aves da Madrugada, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1959, p. 59).

    Raizedo. Já andou aí pelos dicionários, já, mas agora... Grande quantidade de raízes, conjunto de raízes, о mesmo que raizame.

 

[Texto 9200]

Léxico: «desnoca»

Registem-no

 

      «O Manuel Calafate, embora na sua companha, é que não podia, cá de trás, sem um alvoroto nos penetrais do coração, vê-lo fazer tal desnoca, pateando tudo» (As Aves da Madrugada, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1959, p. 56).

      Desnoca, que provavelmente só se usa no Alentejo, é o acto ou efeito de desnocar, ou seja, partir, escangalhar.

 

[Texto 9199]

Léxico: «nuvens-castelas»

Nos dicionários, viste-las

 

      «Uma última vez, absurdo, lampejou furtivamente aquele sol de borrasca, espada curva e escamosa a entrar na bainha da noite, deitada sobre o horizonte, sobre uns repuxos cor de cereja espanhola, as espigas sangrentas do fim do dia; silenciou enfim o recorte ameado da torre do relógio; o branco do vilarejo, as nuvens-castelas, ao alto, tudo se confundiu, se amodorrou; e outra vez ainda a chuva tenaz volveu à terra como um rogo mansamente desesperado, como uma cantilena de serena loucura» (As Aves da Madrugada, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1959, p. 54).

      No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não há nuvens hifenizadas. Nuvens-castelas, sim, quer dizer, nuvens acumuladas, cúmulos.

 

[Texto 9198]

Léxico: «avernoso»

Coisas do Averno

 

      «Mas ali, na praça da revolta e das fomes remordidas, ali o Teté, desossado, porco de graxa, ele o mais avernoso, o mais rancoroso, o aliado da última hora, com a barriga cheia de insultos e de óbolos, ia pulando, quase contente, só ele contente, de grupo em grupo, de um a outro, e escancarava a boca roxa e grulhava» (As Aves da Madrugada, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1959, pp. 53-54).

      Avernoso — sinónimo de avernal, único que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora regista.

 

[Texto 9197]

Léxico: «enxaboucado»

É ir até ao fim

 

      «E essa ideia de brasa, de desforra, correra, entrara, como o vento bravo, nas casas em sossego, nas vendas aguardentadas, e, mais viva do que a chuva, no largo enxaboucado, prurira, incendiara, os bons e os maus, mansos e assanhadiços, diligentes e calões, mancebos imberbes e pais de família, saídos dos seus temores, servos pacíficos que, a sós, os mais dos dias, antes se amagariam e se deixariam malhar, por mor de filhos e cadilhos» (As Aves da Madrugada, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1959, p. 52).

      O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora regista xaboco e xabouco, de que deriva enxaboucado, mas não acolhe este. «Xabouco», de qualquer maneira, também não está bem definido («grande poça de água»). Enxaboucado significa com xabocos, isto é, irregular, com covas, com altos e baixos.

 

[Texto 9196]

Léxico: «multiprofissional»

Aceitamos

 

      «Mas há que não confundir os planos, “porque não pode haver transferência de competências. O que pode haver, isso sim, é delegação de tarefas em algumas situações nas equipas multiprofissionais”, sublinha Miguel Guimarães [bastonário da Ordem dos Médicos], que acrescenta que “há países, como a Holanda, em que esta transferência de competências não foi bem-sucedida”» («Especialista defende delegação de tarefas médicas a enfermeiros», André Rodrigues, Rádio Renascença, 9.05.2018, 16h21).

   Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, agradece ao senhor bastonário. Isso, bonito menino.

 

[Texto 9195]