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Linguagista

Léxico: «lombelo»

Ainda melhor

 

      Aqui numa modesta nota de rodapé da revista Brasília (Universidade de Coimbra, vol. 2, 1943), leio que lombelo é «o filete de carne de porco, em forma de charuto, situado na parte interior da caixa torácica, ao longo do espinhaço e junto às vértebras». Definição mais sugestiva do que a do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, que diz que é «cada um dos pedaços de carne que se tiram do lombo do porco, chamados também coelhos». Contudo, quando consultamos o verbete «coelho», desta acepção nem rasto. Acontece. Acontece muito.

 

[Texto 9316] 

Léxico: «balzaquiana»

Aí é que está

 

      Mas há alguma coisa insusceptível de ser melhorada? O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora define balzaquiana como a «mulher entre os 30 e os 40 anos (por alusão ao romance de Balzac A mulher de Trinta Anos)». Porquê só «mulher» com minúscula? Mas não é isso: Sérgio Luís de Carvalho, na obra Na Ponta da Língua – Mais de 200 palavras que ajudam a falar e a escrever melhor, lembra que a protagonista era Julie d’Aiglemont, o que na definição do dicionário não é necessário, mas também diz o que quem consulta o verbete no dicionário precisa de saber, no caso, que balzaquiana é a «mulher madura, livre, independente, realizada» (p. 206). Se um dicionário não disser isto, onde o podemos encontrar?

 

[Texto 9315]

Léxico: «Vulgata»

E a verdade é que se usa

 

      A Vulgata, lê-se no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, é a «versão latina da Bíblia, feita em grande parte por S. Jerónimo (séc. IV) e impressa pela primeira vez em meados do séc. XVI». Na Ponta da Língua – Mais de 200 palavras que ajudam a falar e a escrever melhor, Sérgio Luís de Carvalho (Lisboa: Clube do Autor, 2018) lembra que actualmente este termo adquiriu um novo significado: «pode, em linguagem política corrente, referir-se a um texto dogmático, rígido, excessivamente doutrinário». É verdade que, umas linhas mais à frente, aconselha a não se usar o termo neste sentido, mas é um sentido figurado próximo deste que encontramos no Aulete: «Qualquer versão de um texto que seja a mais adotada e tida como padrão.»

 

[Texto 9314]

Uma estranheza

Liberdade, sim, mas...

 

      «Bruno recordou, ou percebeu sem saber bem como, que era de tarde. Embora as cortinas estivessem bem fechadas, vigorava nos rebordos uma claridade fria e avermelhada» (O Sonho de Bruno, Iris Murdoch. Tradução de Vasco Gato. Lisboa: Relógio D’Água, 2018, p. 9).

      Escrever é sempre uma escolha de palavras e maneiras de dizer, mas na tradução essa liberdade está muito mais condicionada. Aquele «vigorava» provoca-me logo muita estranheza, que, confrontando com o original, aumenta: «The curtains were tightly pulled, but there was a cold reddish glow about the edges.» Aliás, edge traduzido, neste contexto, por «rebordo» não me deixa menos dúvidas.

 

[Texto 9313]

Léxico: «enguia-europeia»

Não podia ser mais simples

 

      «É assim que Isabel Domingos, coordenadora da FCUL no projecto, nos descreve o ciclo de vida da enguia-europeia (Anguilla anguilla), que se encontra nos rios e estuários da região que vai do Norte da Europa ao Norte de África. O meixão é a cria da enguia, que é pequena e transparente. “São as enguias muito jovens que acabaram de chegar à nossa costa”, acrescenta» («Há um projecto que quer salvar a enguia-europeia da extinção», Teresa Serafim, Público, 31.05.2018, p. 26).

      Ora vejamos: se o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora regista no verbete enguia duas acepções, e a segunda se refere à Anguilla anguilla (estão a ver a utilidade do nome científico?), quer dizer que basta autonomizar esta segunda acepção e dar ao verbete o nome de enguia-europeia.

 

[Texto 9312]

Léxico: «lontra-marinha»

Uma prima

 

      «Dois jovens machos de lontra-marinha, o Odi e o Kasi, resgastados no Alasca no ano passado, são os novos habitantes do Oceanário de Lisboa, anunciou hoje a instituição» («Oceanário recebe duas lontras-marinhas resgatadas no Alasca», Rádio Renascença, 30.05.2018, 15h15).

      Será que têm uma prima, não uma lontra vulgar, mas também uma lontra-marinha (Enhydra lutris), que possa ir para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora? Oxalá.

 

[Texto 9311]

Os limites da liberdade

Sem ofensa, ide-vos foder

 

      Que maravilha. O título bastava: «Chamar “palhaços” a PSP não é ofensa». «Entrou na esquadra da PSP de Massamá, em Sintra, para se queixar do preço exigido por um taxista. Depois resolveu apresentar uma denúncia por violência doméstica contra o companheiro. Mas acabou a esmurrar um computador da esquadra e a gritar aos dois agentes que a atendiam: “vocês são uns palhaços”, “não valeis nada”, “ide-vos f...”. A mulher, de 33 anos, foi condenada a 500 euros de multa, pelo crime de injúrias. Mas o Tribunal da Relação de Lisboa veio agora absolvê-la: considerou que as expressões são uma “mera verbalização de linguagem grosseira, ordinária, sendo absolutamente incapazes de pôr em causa o caráter, o bom nome ou reputação dos visados [os dois polícias]”» (Sérgio A. Vitorino, Correio da Manhã, 30.05.2018, p. 13).

      Pronto, estamos esclarecidos. Agora é usar sem medo. Ocasiões justificadíssimas não faltam no dia-a-dia. Ainda na segunda-feira, um municipal de conspecto nazi, a apitar furiosamente no Largo da Luz, levou com umas aceleradelas em Sport +. Abafado.

 

[Texto 9310]

«De arrebimba o malho»

Contribuam

 

      Vai ser uma quinta-feira de arrebimba o malho, disse-lhe eu. Ainda está a rir agora. Quer dizer agradável, belo, excelente, magnífico, esclareci. Mas também podia ser à bruta. Mas não é o caso. Infelizmente, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora só rebimba, não arrebimba. Arre. Há-de ser por isso que, aqui e ali, mas mais ali do que aqui, leio «arrebimbomalho». Pois é.

 

[Texto 9309]