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Linguagista

Léxico: «carta credencial»

Um plural singular

 

      «Por causa de um “lapso administrativo”, as cartas-credenciais do embaixador português em Pequim José Manuel Duarte de Jesus, que também representava Portugal na Coreia do Norte, foram enviadas para a América Latina em vez de seguirem para Pyongyang» («Ele foi o nosso homem em Pyongyang», João Ruela Ribeiro, Público, 1.06.2018, p. 24).

      Há-de ser convicção do jornalista, pois escreve com hífen em duas ocorrências, a citada e numa legenda (mas que pode não ser da autoria do jornalista), mas neste caso no singular, «carta-credencial». Ora, aqui é que bate o ponto, pois para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, e não é o único, credencial, neste sentido, usa-se apenas no plural: «plural documento que dá crédito e poderes para representar um país perante o governo de outro, ou uma entidade perante outra». Plural? Se formos ver como se escrevia há trinta, cinquenta, cem anos, era sempre no singular. O que mudou? A meu ver, se queriam mudar alguma coisa, apenas acrescentavam a possibilidade do seu uso no plural, não a consagração única do plural. Acrescentar, não trocar. E onde foi o jornalista buscar a forma hifenizada? Não foi ao livro de José Manuel Duarte de Jesus, isso é certo.

 

[Texto 9324]

Léxico: «passe mágico»

O fim das variantes e dos sinónimos

 

      Repararam no título do artigo de Jorge Almeida Fernandes? «O passe mágico do PSOE». Decerto, passe de mágica é locução muitíssimo mais usada, mas passe mágico também se usa. Não devia, por isso mesmo, estar registada nos dicionários?

 

[Texto 9323]

Léxico: «possibilista»

E se simplificássemos?

 

      «Pedro Sánchez conseguiu um acto de magia: tirar o PSOE da quase irrelevância para retomar a iniciativa e colocar-se no centro do tabuleiro político. Por quanto tempo? Não se sabe. É uma inegável vitória pessoal. Escreve no El País Rubén Amón: “Obstinado, temerário, possibilista, o líder socialista regressou ao Parlamento para afastar Rajoy”» («O passe mágico do PSOE», Jorge Almeida Fernandes, Público, 1.06.2018, p. 3).

      Possibilista está no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, com duas acepções, mas vamos antes ver as mesmas acepções em possibilismo: «1. POLÍTICA, HISTÓRIA facção do movimento socialista francês, surgida no final do século XIX, que rejeitava métodos violentos ou revolucionários para alcançar mudanças políticas, defendendo que apenas se devia tentar transformar aquilo que era possível por meio de reformas na legislação e nas instituições preexistentes; 2. GEOGRAFIA corrente de pensamento que afirma que o meio ambiente oferece diversas possibilidades para o desenvolvimento das sociedades humanas, influenciando mas não determinando a sua evolução». Estamos, no caso em apreço, perante a primeira acepção. No Dicionário da Real Academia Espanhola, porém, só temos uma acepção, e claríssima: o possibilismo é a «tendencia a aprovechar las posibilidades existentes para conseguir los objetivos que se pretenden». Não será Pedro Sánchez esta espécie mais simples de possibilista?

 

[Texto 9322]

Letra e visita de médico

Rabiscos ilegíveis

 

      Isto não é normal, pá. O Aulete regista letra de médico e visita de médico, expressões que o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora ignora. Letra de médico... pobres farmacêuticos. Apesar da prescrição electrónica, ainda há demasiadas receitas manuscritas. Em Espanha, os farmacêuticos, ou, enfim, uma boa parte deles — tem, neste momento, 18 975 membros, com 1229 adesões nos últimos trinta dias — criaram um grupo privado no Facebook para se ajudarem mutuamente a decifrar a letra dos médicos. Por vezes, é impossível. Claro que o grupo não serve apenas para tentar decifrar a letra dos médicos: também contam historietas, partilham experiências, expõem dúvidas, falam de legislação nova, publicam ofertas de trabalho, etc., mas uma percentagem muito grande é sobre aquele problema, os rabiscos dos médicos, como explicou à imprensa a criadora e administradora do grupo, Blanca Marí-Ruano, uma farmacêutica valenciana de 37 anos.

 

[Texto 9321]

Léxico: «pá»

Vejamos de novo

 

      «— Então isto agrada-te, ?» (Casa de Correcção, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1968, p. 156).

      Não consegui apurar qual a data da primeira publicação da novela Carnaval Negro, mas esta colectânea é de 1968. Ora, para esta forma de tratamento ser usada aqui, tinha de ser já corrente antes, talvez até na década de 1950. Alguém pode dar um contributo para esta questão?

 

[Texto 9320]

Léxico: «orgasmático»

Também tem direito

 

      «Havia mãos que bailavam, soltas, dedaleiras enfebrecidas; e corpos convulsionados, num ritmo orgasmático, movimentos de autêntica dança sagrada; um homem-zebra que dir-se-ia cabecear, avançando e recuando o busto, archote quase extinto, perante um pijama verde com seios, imagem de vampirismo vegetal a que um aberrante capuz de carrasco escondia a face: pés de milagre, de onde a seiva, no estrugir do pick-up, subia ao corpo todo, devorado pela velocidade» (Casa de Correcção, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1968, p. 154).

      Não, o narrador não está louco, tão-pouco o autor — está a descrever um baile de Carnaval (na novela Carnaval Negro, que faz parte da colectânea que tenho vindo a citar, Casa de Correcção. Há até quem afirme que é uma das melhores e mais acabadas novelas de Urbano Tavares Rodrigues). O que interessa agora: orgasmático. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: ✘. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✔.

 

[Texto 9319]

Léxico: «zurzal»

Revisão da matéria

 

      «Eu vinha de cinturão vazio e o meu irmão carregado de tordos, de calhandras, de zurzais» (Casa de Correcção, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1968, p. 145).

      Vejamos: zurzal é variante de zorzal, que é o mesmo que estorninho (Sturnus unicolor ou Sturnus vulgaris). Ora, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora regista «zorzal», que não define, remetendo directamente para «tordeira» (Turdus viscivorus). Alguém está enganado, forçosamente.

 

[Texto 9318]

Léxico: «arriós»

É isso mesmo

 

      «O polícia avançou, divagou a vista relutante pelo quarto, onde uma criança ramelosa jogava o arriós, estendida no soalho gasto, e outras duas maiores se rebolavam em cima da cama, aliás da enxerga, em cuja beira estava sentada, serena, apática, a “patroa”, fritando a acre ração de cachucho no fogareiro criminoso, que não lhes pertencia, que ia deixar de pertencer-lhes» (Casa de Correcção, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Livraria Bertrand, 1968, p. 132).

      O nosso Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora apenas regista arrió («pedrinha redonda do jogo do alguergue»), mas há dicionários que registam, e muito bem, as diversas variantes: arrió, arriós, arriol, arrioz. António Cabral, na obra Jogos Populares Infantis (Lisboa: Editorial Notícias, 1998), é «arriós» que usa. Os dicionários têm de acolher todas as variantes, para deixarem ao falante a liberdade de escolher o que quiser.

 

[Texto 9317]