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Linguagista

Ortografia: «real d’água»

Não estou a ver

 

      «Cinquenta réis por cada molho de palha, seis réis por cada litro e meio de vinho e cinco réis por meio quilo de carne foram alguns dos impostos criados em 1729 para pagar as obras do Aqueduto das Águas Livres. Chamaram-lhes “real d’água” e só o imposto da carne rendeu 12 mil réis num ano porque se venderam 28 mil bois, 1200 vitelos, 28 mil carneiros e 12 mil porcos» («A história de 150 anos de água a chegar a Lisboa», Raquel Albuquerque, Expresso Diário, 29.05.2018).

      Não sei em que se fundamenta o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora para o grafar com hífen, «real-d’água». Com a definição concordo: «antigo imposto indirecto que incidia sobre certos géneros de consumo».

 

[Texto 9330]

Léxico: «puxada»

Bata a outra porta

 

      «Vive sozinha e queixa-se muito de uns vizinhos, que a “tratam mal”, que a provocam “com palavras feias”. Baixa o tom de voz, para as repetir, meio envergonhada, e afirma que foram eles que “fizeram uma puxada de luz, ou lá o que isso é”, aumentando a sua fatura» («Empresta-me um abraço», Mafalda Ganhão, Expresso Diário, 2.06.2018).

      Escusa de ir perguntar ao Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: ele, coitado, também não sabe.

 

[Texto 9329]

Como se traduz por aí

Não se traduzindo

 

      «Espanha já tem novo primeiro-ministro. Pedro Sanchez não quer “geringonças”» (Rádio Renascença, 2.06.2018, 10h07). E, segundo o Expresso Diário de ontem, também não quer os pressupostos do PP: «Sánchez está, pois, atrelado a Rajoy e “terá de governar com os pressupostos do PP”, pressupostos que “criticou duramente”, assume Virgili» («Espanha entra “num tempo de pouca construção de futuro”», Hélder Gomes). Não, o jornalista não se enganou no nome, não queria escrever Virgílio, é mesmo Jordi Virgili, professor de Comunicação Política na Universidade de Navarra. Só se enganou a traduzir — simplesmente não traduzindo — presupuestos. Caro Hélder Gomes, presupuestos é o orçamento. Lá está, com dez milhões de tradutores de castelhano, apanha-se sempre um ou outro piorzinho. Pobres leitores.

 

[Texto 9328]

Rio... Mississipe

É só falta de hábito

 

      «— Não — disse ele, procurando ser áspero para com ela —. Não sou o dono disto e não sou dono de coisa alguma no Mississipe, deste lado da escarpa» (O Irresistível Big Buck, Erskine Caldwell. Tradução de João Gaspar Simões. Lisboa: Editorial Inquérito, s/d, p. 38).

      Bem visto, pois claro. E está assim na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. (Nos volumes iniciais, na verdade, porque nas actualizações já não é assim: o mundo tem vindo insensivelmente a piorar.) Já se está a ver a vantagem desta grafia.

 

[Texto 9327]

As várias pimentas

Apimentemos isto

 

      Pimenta-preta. Na minha cozinha: ✔. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: ✔. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✔. Pimenta-branca. Na minha cozinha: ✔. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: ✘. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✔. Pimenta-rosa. Na minha cozinha: ✔. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: ✘. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✘. Pimenta-vermelha. Na minha cozinha: ✔. No Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: ✘. No VOLP da Academia Brasileira de Letras: ✘. Ganhei eu, ou a minha cozinha, vá. Se as pimentas se organizassem num movimento LGBT, os lexicógrafos iam ver como elas lhes mordiam.

 

[Texto 9326]

Léxico: «pára»

Será desta?

 

      «Os páras perfilam-se para subir as escadas. Há feridos no despacho da DETA [Divisão de Exploração dos Transportes Aéreos], enquanto no exterior da aerogare cresce o movimento de tropas. Durante o telefonema dá para ouvir o zunir de disparos» (Os Dias do Fim, Ricardo de Saavedra. Alfragide: Casa das Letras, 2014, 3.ª ed., p. 358).

      Os páras, muito bem. Ainda ontem, porém, o Correio da Manhã titulava: «“Páras” travam a tiro ataque de terroristas». As aspas são escusadas. Fizeram o mesmo com a redução héli, que tardou décadas a chegar aos dicionários. Hoje, pára ainda é somente uma forma verbal para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora e para outros dicionários. Caramba, esta redução vocabular usa-se há décadas.

 

[Texto 9325]